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Gestão, o maior problema do Poder Judiciário

19/01/2010 10:00 | Artigo
Rubens Curado Silveira - Secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça, juiz do Trabalho do TRT da 10ª Região, especialista em direito constitucional pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em direito, Estado e Constituição pela UnB
 
    Por que a produtividade dos magistrados de alguns tribunais é inferior à metade da média nacional? Como justificar o mau funcionamento de tribunais com substanciosos orçamentos, enquanto outros, com parcos recursos, prestam serviços de qualidade? Como explicar a disparidade entre duas varas com a mesma competência e distribuição, uma sobrecarregada de processos e outra absolutamente em dia? Qual a razão de um tribunal apresentar melhores indicadores de litigiosidade, mesmo com número superior de processos por servidor e por magistrado?
 
    Gestão de pessoas. Gestão de processos. Gestão de processos de trabalho. Gestão orçamentária. Gestão. Eis o maior problema do Poder Judiciário. As revelações acima são reais e constam de estudos do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborados a partir dos dados do relatório Justiça em Números (www.cnj.jus.br), cuja série histórica acumula cinco anos de divulgação dos indicadores do Poder Judiciário.
 
    Essa meia década é suficiente para revelar uma instituição acostumada a responder ao crescente aumento de demanda pela via única do expansionismo: mais processos demandam mais tribunais, mais magistrados, mais servidores, mais orçamento. Como resultado, o orçamento do Judiciário brasileiro já ultrapassa os R$ 40 bilhões, valor necessário para sustentar uma máquina administrativa estruturada em 91 tribunais, 16 mil magistrados e mais de 200 mil servidores.
 
    De outro lado, essa pesada instituição carrega o desafio de responder adequadamente a uma das maiores taxas de litigiosidade do mundo: 70 milhões de processos, entre casos novos e pendentes, tramitaram no Judiciário brasileiro em 2008, dos quais 25 milhões foram ajuizados somente em 2009. No mesmo período, os magistrados brasileiros julgaram 23 milhões de processos, a revelar uma extraordinária produtividade e, ao mesmo tempo, um déficit que ano a ano incrementa o estoque de processos e de cidadãos no aguardo de um Judiciário mais célere e eficiente.
 
    Foi nesse contexto que o Conselho Nacional de Justiça coordenou a implantação do planejamento estratégico do Poder Judiciário, institucionalizado pela Resolução nº 70, de março de 2009.
 
    Historicamente acostumados ao modelo de ilhas, os tribunais brasileiros estão hoje unidos por uma única estratégia e que tem como pilares 15 objetivos igualmente comuns, subdivididos em oito temas: eficiência operacional, acesso ao sistema de Justiça, responsabilidade social, alinhamento e integração, relacionamento institucional, gestão de pessoas, infraestrutura e tecnologia e orçamento passam, agora, a ser perseguidos cotidiana e ordenadamente por cada um dos órgãos da Justiça.
 
    Pouco vale uma Justiça célere se ela não for cidadã; o acesso à Justiça, porta de entrada do Judiciário, perde sentido se não resultar em efetividade da decisão - porta de saída; de nada adianta um Judiciário alinhado e integrado se não houver transparência; ética e moral não combinam com Justiça cara e ineficiente; sistemas de TI pressupõem servidores e magistrados capacitados para operá-los; e não há avanço em nenhum dos temas estratégicos se não houver orçamento adequado e disponível.
 
    A rigor, nenhuma novidade se extrai desses temas. A novidade está na utilização de uma metodologia de planejamento estratégico - Balanced ScoreCard (BSC) - na construção, organização e execução da estratégia. A novidade está em medir cada um dos objetivos por meio de indicadores nacionais, de modo a avaliar e comparar periodicamente o desempenho de cada órgão. A novidade está no estabelecimento de metas de curto, médio e longo prazos, vinculadas aos indicadores, trimestralmente monitoradas. A novidade está em definir planos de ação para o alcance de cada uma das metas e na divulgação dos indicadores no relatório Justiça em números. A novidade está na cultura de resultado, que finalmente chega a uma das instituições mais tradicionais da sociedade.
 
    Pela primeira vez na história, o Judiciário tem metas nacionais, estipuladas consensualmente a partir da constatação de que existe grande desnivelamento entre os serviços entregues pelos órgãos da Justiça. A cultura do papel e do carimbo contrasta com a tramitação eletrônica de processos. Igualmente contrastam juizados especiais prolatando sentenças em 30 dias com varas criminais pronunciando a prescrição em crimes do tribunal do júri, o que confirma a necessidade de buscar um padrão mínimo de serviço à sociedade.
 
    Os primeiros resultados começam a florescer. Magistrados e servidores dão exemplo de superação ao ultrapassarem a marca de 2 milhões de processos da chamada Meta 2, que visa ao julgamento de todos os distribuídos até 31 de dezembro de 2005. Muitos ainda restam, mas também resta a certeza de que o Judiciário nunca foi tão transparente ao divulgar dia a dia o seu esforço no "processômetro" disponível no Portal do CNJ.
 
    A motivação alcança igualmente as outras nove metas de 2009. Entre elas, a Meta 1, que conclama os tribunais a aprovarem o seu próprio planejamento estratégico, alinhado ao plano nacional, com periodicidade mínima de cinco anos, a soterrar de vez a deletéria descontinuidade administrativa. Os riscos existem, como em todo projeto novo e inovador. Mas nenhum encontrará terreno fértil se deparar com servidores e magistrados engajados na execução da estratégia.
 
    Um modelo sólido de gestão, fundado em projetos, metas e indicadores, só se consolida com a imprescindível vinculação entre estratégia e orçamento - orçamento estratégico. A razão é óbvia: nenhum projeto prescinde do necessário aporte financeiro.
 
    Aproximação institucional parece ser a palavra de ordem. Não há planejamento nacional sem o resgate do sentimento de unidade de um Poder Judiciário uno e único. Esse sentimento, perdido em algum lugar do passado, é importante à percepção de que justiças Federal, Estadual, Eleitoral, Militar e do Trabalho navegam no mesmo barco e que o sucesso de todos passa pelo necessário compartilhamento de estruturas, sistemas, boas práticas e recursos, humanos e materiais. Com esse propósito, o Banco de Boas Práticas de Gestão do Poder Judiciário, também disponível no Portal do CNJ, já conta com mais de mil iniciativas.
 
    Ultrapassado o momento de neblina, outrora denominado caixa-preta, já se enxerga, da proa, a real justiça: uma Justiça que, apesar das dificuldades, caminha unida, transparente, ciosa das suas virtudes e defeitos e focada na sua missão constitucional de dar resposta adequada aos anseios sociais.
 
    Modernizar a gestão do Poder Judiciário. Eis o desafio.

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