O Conselho Nacional de Justiça concedeu liminar ao Conselho Federal da OAB, em procedimento impetrado a pedido da Diretoria da OAB/MT, para suspender Provimento da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso que autoriza conciliações por notários e registradores. A decisão da conselheira Gisela Gondin Ramos foi prolatada nesta quarta-feira (4 de setembro) no autos do Procedimento de Controle Administrativo Nº 0005138-21.2013.2.00.0000.
O pedido de providências impugna a íntegra do Provimento nº 29, de 13 de agosto de 2013, argumentando que ao permitir a realização de conciliações e mediações por notários e registradores, conferindo ao instrumento resultante a natureza de título executivo extrajudicial, a Corregedoria-Geral da Justiça “extrapolou sua competência ao estabelecer regras de registro público e de processo e procedimento, inovando a ordem jurídica por meio de instrumento inapto”. Invocou o art. 22 da Constituição Federal destacando que a atribuição para legislar a respeito de Direito Processual e de Registros Públicos é privativa da União Federal; além da indispensabilidade do advogado em atos “em que a atividade advocatícia for necessária para que os direitos fundamentais sejam garantidos”.
Gisela Ramos consignou que o referido provimento é idêntico ao editado pela CGJ de São Paulo (Provimento nº 17/2013), já analisado e suspenso por ela, pontuando que a competência privativa é da União Federal para legislar acerca de registros públicos, destacando ainda a Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935/1994), onde consta o rol de competências dos notários em seu artigo 6º.
“O Provimento impugnado vacila ao cominar atribuições às Serventias Notariais e Registrais que não lhe são afins. (...) Verifica-se, deste modo, que a autorização dada aos notários e registradores pela Corregedoria Geral da Justiça do Mato Grosso para a prática de conciliações e mediações, por meio do Provimento n. 29, de agosto de 2013, é estranha às funções legalmente atribuídas a tais agentes, tanto pela legislação federal de regência quanto pelas normas estaduais aplicáveis à espécie. Há, pois, hipótese de atribuição de competência aos ofícios extrajudiciais, e não de mera organização dos serviços”, ressaltou.
A conselheira sublinha que “o provimento mato-grossense, por sua vez, assim como o paulista, dirige-se às serventias extrajudiciais, criando mecanismo paralelo – e privado – de resolução de conflitos. Sua regulamentação escapa à incidência da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário”. Ao final deferiu o pedido cautelar para determinar a suspensão da entrada em vigor do Provimento n. 29, de 8 de agosto de 2013, da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso até deliberação final pelo Conselho Nacional de Justiça.
Atuação da OAB/MT
Assim que a diretoria da OAB/MT teve conhecimento do Provimento nº 29 publicado no dia 12 de agosto no Diário da Justiça Eletrônico, remeteu-o à Procuradoria da Seccional para o pedido de providências junto ao Conselho Federal para buscar a revogação da liminar junto ao Conselho Nacional de Justiça.
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O presidente da OAB/MT, Maurício Aude, ressaltou no documento enviado ao CFOAB que os notários e registradores trabalham para a autenticação e para dar segurança e eficácia à formação da vontade dos interessados. “Eles teriam que posicionar-se sobre a legalidade do que está sendo resolvido, desvirtuando sua razão de ser. O provimento afronta a Resolução nº 125 do CNJ, que institui a Política Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meio adequado à sua natureza e peculiaridade, sendo que a mesma prevê que os órgãos do Judiciário coloquem à disposição dos jurisdicionados meios de solucionar amigavelmente os conflitos”. |
Para Maurício Aude a decisão da conselheira Gisela Gondin Ramos é a mais sensata e acredita que o Conselho Nacional de Justiça ratificará a liminar evitando assim prejuízos à sociedade já que o provimento entraria em vigor neste mês de setembro.
Confira abaixo a íntegra da decisão liminar do CNJ.
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PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 0005138-21.2013.2.00.0000
Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-CFOAB
Requerido: Corregedoria-geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso
Advogado(s): DF019979 - Rafael Barbosa de Castilho (REQUERENTE)
DF016275 - Oswaldo Pinheiro Ribeiro Junior (REQUERENTE)
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DECISÃO
1. Cuida-se de Pedido de Providências proposto pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que, em síntese, impugna a íntegra do Provimento n. 29, de 13 de agosto de 2013, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Mato Grosso.
Argumenta que a Corregedoria da Corte mato-grossense, ao permitir a realização de conciliações e mediações por notários e registradores, conferindo ao instrumento resultante a natureza de título executivo extrajudicial, extrapolou sua competência ao estabelecer regras de registro público e de processo e procedimento, inovando a ordem jurídica por meio de instrumento inapto. Afirma, invocando o art. 22 da Constituição da República, que a atribuição para legislar a respeito de Direito Processual e de Registros Públicos é privativa da União Federal. Obtempera que, ainda que a Carta Federal tenha admitido competência comum entre a União Federal e o Estado-Membro para legislar a respeito de normas que estabelecem procedimentos, impõe-se a edição de lei formal, o que não ocorreu in casu. Defende que a Constituição da República firma a indispensabilidade da presença de advogado em atos, in verbis, “em que a atividade advocatícia for necessária para que os direitos fundamentais sejam garantidos”, regra esta ignorada pelo Provimento conspurcado.
Requer o bâtonnier, cautelarmente, a suspensão dos efeitos do ato normativo atacado. No mérito, pugna pela desconstituição em definitivo do Provimento.
É quanto basta relatar.
2. Reconheço a prevenção aventada pelo eminente Conselheiro Rubens Curado em virtude da distribuição para minha relatoria, em 17 de junho de 2013, do Pedido de Providências de autos n. 0003397-43.2013.2.00.0000. Os expedientes relacionados, embora não versem acerca do mesmo ato normativo ou edital de concurso, ventilam idêntica matéria, a ensejar a prevenção nos termos do art. 44, § 5º, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.
Consigno, aliás, que o teor do Provimento n. 29, de 8 de agosto de 2013, da pena do Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Mato Grosso, é praticamente idêntico àquele editado por seu congênere paulista, por meio do Provimento n. 17, de 5 de junho de 2013, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
3. O Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça atribui ao Relator, em seu art. 25, XI, o deferimento de medidas acauteladoras, ante a existência de fundado receio de prejuízo, o que reputo ser o caso.
Repiso aqui as razões que utilizei ao deferir a cautela pleiteada pelo (mesmo) requerente no Pedido de Providências de autos n. 0003397-43.2013.2.00.0000, pertinentes ao caso ora em apreço.
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 236, versa sobre a prestação de serviços notariais e de registro. Determina o texto constitucional que as atividades exercidas pelos notários, por delegação do Poder Público e em caráter privado, serão reguladas por lei.
Antes, prescreve que se insere na competência legislativa privativa da União Federal legislar acerca de registros públicos, nos termos do art. 22, XXV, do Texto Constitucional.
O diploma legal referido pela Carta Política, a estruturar os serviços cartoriais prestados pelo Estado, é a Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994 (Lei dos Cartórios), de caráter nacional.
Ao versar acerca da atividade notarial, prestada pelo notário ou tabelião, descrimina a legislação as atribuições conferidas a tais profissionais nos seguintes termos:
Art. 6º Aos notários compete:
I - formalizar juridicamente a vontade das partes;
II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
III - autenticar fatos.
Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
I - lavrar escrituras e procurações, públicas;
II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III - lavrar atas notariais;
IV - reconhecer firmas;
V - autenticar cópias.
Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.
Por meio da combinada leitura do conjunto normativo de regência, em especial o que dispõe o art. 236 da Constituição da República e o disposto no ato cognominado Lei dos Cartórios, extrai-se que, para além da atribuição da União Federal para legislar com exclusividade sobre os registros públicos, insere-se a prerrogativa para organização da efetiva prestação dos serviços. A mencionada tarefa reside no âmbito de competência residual, cominada aos Estados-Membros para sua auto-organização, nos termos do que dispõe o art. 25 da CRFB[1].
No mesmo sentido, a Lei n. 8.935, de 1994, prevê de forma expressa a competência do Estado-Membro para legislar acerca de normas e critérios para a remoção entre Serventias (art. 18), outorgando a fiscalização dos atos dos notários e registradores ao juízo competente, “definido na órbita estadual e do Distrito Federal” (art. 37). Convalida, inclusive, legislação estadual específica que, vigente antes da entrada em vigor da Lei dos Cartórios, legam atribuições ao Registro Civil das Pessoas Naturais (art. 52), ou ainda que tem a fixação de área territorial de atuação de tabeliães de protestos de título definida pelas regras de organização judiciária local (art. 53).
Assim, estabelecido o marco legal de referência, passo à análise do caso concreto neste juízo de apreciação perfunctória, para fins de acautelamento do provimento requerido.
Verifico que, de fato, o ato da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso parece extrapolar o âmbito regulamentar que lhe é próprio, imiscuindo-se em matéria de competência exclusiva da União Federal. O Provimento impugnado vacila ao cominar atribuições às Serventias Notariais e Registrais que não lhe são afins.
A Lei n. 4.964, de 26 de dezembro de 1985, do Estado do Mato Grosso do Sul, ao estabelecer as atribuições dos ofícios extrajudiciais, assim dispõe:
Art. 96 Nos Cartórios serão executados os serviços do foro extrajudicial, cabendo-lheslavrar as declarações de vontade e executar os demais atos previstos pela legislação própria dos registros públicos.
(...)
Art. 102 Aos Cartórios incumbe a lavratura dos atos notariais e os serviços concernentes aos registros públicos na forma da lei. (grifo nosso)
Verifica-se, deste modo, que a autorização dada aos notários e registradores pela Corregedoria Geral da Justiça do Mato Grosso para a prática de conciliações e mediações, por meio do Provimento n. 29, de agosto de 2013, é estranha às funções legalmente atribuídas a tais agentes, tanto pela legislação federal de regência quanto pelas normas estaduais aplicáveis à espécie. Há, pois, hipótese de atribuição de competência aos ofícios extrajudiciais, e não de mera organização dos serviços.
Como é próprio das atividades exercidas pelo Estado ou em seu nome, tais atos devem ser, sempre, expressos, exaurientes e cominados por meio de lei. A margem de discricionariedade do administrador ao inovar a ordem jurídica, como no caso em apreço, esbarra no princípio da legalidade administrativa, estampado no cabeço do art. 37 da Constituição da República.
Trata-se, como consignei em sede doutrinária[2], de proteção da esfera de liberdade própria do indivíduo dos arbítrios do Estado plenipotenciário. É nesse sentido que o constituinte veiculou a exigência de lei em sentido formal para obrigar o particular a fazer ou deixar de fazer algo. Com amparo no art. 5º, II, da Constituição da República, afigura-se como legítima a coerção estatal quando referendada pelos representantes da cidadania, observado o devido processo legislativo. Não há como o povo, detentor último do poder soberano, ser compelido por outra vontade senão a sua própria a fazer ou deixar de fazer algo.
O ato administrativo impugnado, além de legar aos notários e registradores função extravagante, ao arrepio das leis de regência, fê-lo invadindo a esfera de regulamentação reservada à lei, nos termos do que dispõe o art. 236, § 1º, da Constituição da República.
De acordo com o Código de Organização e Divisão Judiciárias, é de competência exclusiva da Corregedoria a fiscalização dos atos notariais e de registro, sendo-lhe facultado, inclusive, controle do banco de dados da atividade de Foro extrajudicial do Estado do Mato Grosso. Entretanto, o órgão falece de atribuição para estabelecimento das atividades próprias das Serventias, matéria que demanda, como anteriormente consignado, a edição de lei stricto sensu.
E nem se diga que poderia se extrair da interpretação teleológica da Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, eventual fundamento para a prática do mencionado diploma regulamentar.
O ato do CNJ, em boa hora, envereda-se por estimular a reorganização do Poder Judiciário para a inversão da lógica processual, essencialmente beligerante, em favor da construção de consensos das partes litigantes. Verifica-se, nesse ínterim, que se trata de política pública direcionada ao Poder Judiciário e que, por isso mesmo, reveste-se de caráter eminentemente jurisdicional. Até por tal razão há direto e efetivo controle dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, cuja criação foi determinada por este Conselho.
O provimento mato-grossense, por sua vez, assim como o paulista, dirige-se às serventias extrajudiciais, criando mecanismo paralelo – e privado – de resolução de conflitos. Sua regulamentação escapa à incidência da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário.
Descabe, neste momento, analisar sob o ângulo semiótico a natureza e as consequências do ato normativo aqui impugnado, entrementes que necessária, a meu sentir, para a correta avaliação do tema.
A medida acautelatória pleiteada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil se justifica, por plausível. O perigo na demora, por sua vez, exsurge da iminente vigência plena do dispositivo conspurcado, em virtude do disposto no art. 21 do Provimento ora impugnado.
É forçoso o reconhecimento do vício formal cujos efeitos, protraídos no tempo, poderão causar dano de difícil reparação.
Assim, defiro o pedido cautelar para determinar a suspensão da entrada em vigor do Provimento n. 29, de 8 de agosto de 2013, da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso até deliberação final pelo Conselho Nacional de Justiça.
4. Notifiquem-se as partes do teor da presente decisão. Notifique-se a Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso para que, forte no art. 94 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, preste as informações que reputar necessárias. À Secretaria Processual, para as providências de redistribuição por prevenção.
Após, retornem os autos conclusos.
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[1] Nesse sentido: STF, ADI-MC 865/MA, j. 7.10.1993; a contrario sensu: STF, ADI n.3151, Min. AYRES BRITTO, j. 8 jun. 2005.
[2] RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 476-8.
Gisela Gondin Ramos
Conselheira