Autoras: Flávia Piovesan e Claudia Maria Barbosa
Em 2005, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente uma ação de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros em face da criação do Conselho Nacional de Justiça, sob o argumento de que não representaria qualquer ofensa ao princípio da separação dos poderes e da independência judicial. Para o relator do caso, ministro Cezar Peluso, o Conselho “seria capaz de erradicar um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em qualquer país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucional que obscurece os procedimentos investigativos, debilita as medidas sancionatórias e desprestigia o Poder”.
Instituía-se ineditamente aculturado controle externo do Poder Judiciário. Introduzido pela reforma do Poder Judiciário, pela Emenda Constitucional no-45, em 2004, dupla é a vocação do Conselho: a) aperfeiçoar a administração do Judiciário mediante políticas de gestão, planejamento estratégico e modernização, elaborando relatórios com estatísticas e recomendações; e b) fiscalizar os deveres funcionais dos juízes, recebendo reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, punindo as irregularidades.
Em sua composição, o Conselho é integrado por 15 membros, sendo que 9 advêm do Judiciário, e os demais, do Ministério Público e da advocacia, sendo ainda prevista a participação de dois cidadãos. Desde sua criação, relevantes medidas foram adotadas, como a resolução proibindo o nepotismo no Poder Judiciário, mutirões em cadeias e metas para assegurar a celeridade processual, dentre outras. Ao fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, o Conselho, até o momento, já determinou a punição de 49 magistrados, sendo que 65 estão sob investigação, o que abrange, ao menos, 35 desembargadores acusados de ter cometido crimes.
É justamente o alcance do poder punitivo disciplinar do Conselho Nacional de Justiça que se converteu no alvo de intensa polêmica a envolver, de um lado, a posição da corregedora do Conselho, ministra Eliana Calmon, e, do outro, o ministro Cezar Peluso, presidente do órgão. O debate é se o Conselho deve ter autonomia em relação aos tribunais para iniciar processos contra juízes ou se sua atuação seria meramente subsidiária em relação à atuação das corregedorias locais.
Esvaziar a competência disciplinar do Conselho surge como um paradoxo: sua própria origem justifica-se na inoperância das corregedorias dos tribunais a gerar uma “epidemia de processos esquecidos nas prateleiras”, como revela inspeção da Corregedoria Nacional de Justiça. A equação da impunidade é alimentada pelo “esquecimento dos processos”, que implica a prescrição dos ilícitos cometidos. Limitar e restringir o importante papel disciplinar do Conselho, condicionando-o ao esgotamento prévio da atuação dos órgãos locais, é comprometer uma das maiores conquistas institucionais brasileiras, como alerta a pesquisadora Maria Tereza Sadek.
As investigações concluídas pelo Conselho, ao embasar a punição de 49 juízes e desembargadores (em um universo de aproximadamente 16.400 magistrados), deveriam gerar aplausos louvando sua atuação independente e eficaz voltada ao fortalecimento do Judiciário — e não a indignação corporativista daqueles que ainda insistem em serem imunes a qualquer controle. O Judiciário é responsável por julgar graves casos de corrupção que assolam a realidade brasileira, tendo o mandato de controlar a atuação de integrantes do Executivo e Legislativo. Controla e — como é natural no estado democrático de direito — deve ser também controlado.
A maior ameaça à imagem e à própria integridade do Judiciário não é o reconhecimento de que possa haver, entre seus membros, pessoas inidôneas, mas a possibilidade de que estas possam agir imunes a qualquer controle. A impunidade contribui para a erosão do estado de direito com a descrença nas instituições.
É neste contexto que o Judiciário simboliza a salvaguarda daqueles que, acreditando no Estado, a ele recorrem na esperança de ter seus direitos respeitados, com a punição dos eventuais responsáveis. Na democracia as regras são a transparência, o controle social e a accountability. Como bem lembra o ministro Celso de Mello: “Nenhuma instituição da República está acima da Constituição Federal e nem pode pretender excluir-se da crítica social ou do alcance da fiscalização de suas responsabilidades.”
* Flávia Piovesan é procuradora do Estado de São Paulo, professora da PUC/SP e da PUC/PR. Claudia Maria Barbosa é professora de Direito da PUC/PR.
Lídice Lannes/Luis Tonucci
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