O envio de e-mail de uma empresa a outra para difamar uma terceira, por mais que não influencie no âmbito concorrencial, causa dano moral indenizável. Foi o que decidiu a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao manter condenação a empresa do ramo de alimentos que, em um processo de concorrência, enviou e-mail à contratante com informações falsas sobre uma concorrente para difamá-la. A condenação foi de R$ 250 mil pelos danos morais e R$ 25 mil em honorários de sucumbência.
As empresas envolvidas são GR, Kraft e Sapore, todas do ramo de alimentos. Consta dos autos que a multinacional Kraft abriu um processo de concorrência para escolher uma companhia brasileira para revender seus produtos. GR e Sapore entraram na disputa.
Segundo o que foi apurado na Justiça, o então diretor regional da GR, Névio Piva Filho, enviou e-mail para a Kraft em que falava que a Sapore passava por dificuldades financeiras, estava à beira da falência e prestes a ser comprada. A correspondência eletrônica continha uma reportagem que trazia as informações.
Investigação digital
Até então não se sabia quem era o autor da mensagem, já que o remetente era noticial@uol.com.br. A própria Kraft procurou a Sapore, para avisar da mensagem que recebera e para que a companhia se explicasse, já que estava prestes a vencer o certame.
O trabalho, então, passou a ser da Sapore. A empresa procurou o UOL para que informasse quem era o dono daquela conta de e-mail. O provedor de internet se negou a fornecer a informação, a não ser que houvesse ordem judicial.
Vencida essa etapa, foi descoberto que o e-mail noticial@uol.com.br estava vinculado a npiva@uol.com.br. Daí foi fácil rastrear que o dono real da conta de e-mail era Névio Piva, diretor da GR, concorrente da Sapore. O UOL informou o endereço IP, número que identifica o computador quando conectado à internet, e foi descoberto que o computador do qual o e-mail foi enviado era o de Piva.
Ficou definido, então, o polo passivo da ação: Névio Piva Filho e a empresa em que trabalhava, a GR.
Martelo batido
A condenação veio já da primeira instância. Sentença do juiz Vincenzo Bruno Formica Filho, da 23ª Vara Cível de São Paulo, condenou ambos, empresário e empresa, por danos morais e ao pagamento das custas processuais. Os dois recorreram.
Piva alegou que não foi o autor da mensagem e, mesmo se tivesse sido, não causaria danos à Sapore, já que a companhia ganhou o processo concorrencial. Também disse que não havia prova do dano, já que não foi demonstrado o nexo causal entre a mensagem e o alegado dano moral. E reclamou do “valor exorbitante” da indenização.
A GR sustentou que não poderia ser responsabilizada solidariamente pelo envio do email, pois o envio da mensagem nada tinha a ver com as funções de Névio Piva. Disse que não havia prova da autoria da correspondência e nem do dano causado.
Confirmação
O TJ de São Paulo negou ambas as alegações. Seguindo voto do relator, desembargador James Siano, a 5ª Câmara Privada afirmou que a reportagem colada ao e-mail foi, dias depois, retificada pelo veículo de comunicação responsável.
Sobre a falta de prova, refutou os argumentos. O relator afirmou que há nos autos provas suficientes da autoria e da origem do e-mail. Ele explicou que o Código Civil, no artigo 333, dá o ônus da prova ao autor das alegações em juízo, a Sapore se livrou dessa obrigação quando juntou o laudo pericial atestando a origem e autoria da mensagem, cópia do e-mail e sentença penal condenando Piva aos autos.
Os réus, no entanto, não produziram prova que mostrasse que não tinham relação com a mensagem enviada à Kraft. Definida a culpa e a existência do fato, o desembargador afirmou que ficou configurado o dano moral.
“Em razão do ato dos corréus, a autora sofreu ofensa à sua honra, conforme condenação ocorrida no âmbito penal, além de ter de dar explicações à Kraft, durante o processo de concorrência para a contratação para empresa fornecedora de refeições coletivas, o que põe em xeque sua idoneidade, sendo irrelevante o fato de a autora ter sido contratada pela Kraft, fato que não abranda o ato dos apelantes [Piva e GR].”
James Siano, com base no laudo técnico, concluiu que Névio Piva era o autor dos e-mails e, como ele não apresentou contestação em juízo, foi responsabilizado. A responsabilidade da empresa foi concluída a partir da leitura do artigo 932, inciso III do Código Civil: “São também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes cumprir, ou em razão dele”. A indenização foi mantida em R$ 250 mil.
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