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Advogado pode atuar contra quem já foi seu cliente

19/02/2010 18:00 | Decisão
    O Superior Tribunal de Justiça julgou caso de interesse da Advocacia, esclarecendo sobre alguns limites à atuação do profissional em Juízo.
 
    Segundo o STJ, o fato de o advogado ter anteriormente defendido o réu em outra ação não conduz, obrigatoriamente, à anulação do processo se o atual constituinte não participou daquela ação anterior.
 
    O julgamento foi proferido nos autos de ação de reintegração de posse ajuizada por Nelson Cardoso Pinto contra Adilson Figueira Brandão e Ana Lídia Ambrósio, ocasião em que os réus sustentaram, em recurso especial, que o advogado do recorrido, quando ainda era estagiário de Direito, teria sido constituídopelo primeiro recorrente em outro processo que, segundo alegaram, teria versado sobre fatos relativos ao mesmo imóvel objeto da ação atual, o que conduziria o feito à decretação de nulidade.
 
    Ao iniciar a análise do recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, demarcou que os fatos narrados na ação anterior não têm relevância alguma para o deslinde da lide presente, uma vez que o feito anterior foi pedida indenização de danos decorrentes de arrombamento do imóvel objeto da ação atual, ao passo que na presente demanda debate-se a posse do imóvel, "de modo que, a rigor, nenhuma informação a esse respeito foi repassada aos profissionais que representam o primeiro recorrente em juízo", além de não haver nos autos indício de que o advogado tenha efetivamente atuado naquele processo.
 
    Giza o acórdão que o artigo 19 do Código de Ética e Disciplina da OAB autoriza o advogado a postular em nome de terceiros contra ex-cliente ou ex-empregador, ressalvando apenas o dever de “resguardar o segredo profissional e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas”.
 
    Por fim, criticou a relatora a demora injustificada para os recorrentes arguirem a nulidade processual (dois anos depois de o advogado juntar substabelecimento nos autos), conduta esta reputada como de "pouca transparência" e tomada" ao que tudo indica com o intuito de surpreender a parte adversa e talvez tentar manipular a prestação jurisdicional. Postergaram, à sua conveniência, a alegação de irregularidade da representação processual, para usá-la apenas em momento que consideraram lhes seria mais propício.
 
    Votaram de acordo com a negativa de provimento ao recurso especial os ministros Massami Uyeda e Paulo Furtado e o desembargador gaúcho convocado Vasco Della Giuistina. (Proc. nº 844802).
 
Fonte: STJ e Espaço Vital
 
 
Acórdão 
RECURSO ESPECIAL Nº 844.802 - RJ (2006⁄0090031-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
 RECORRENTE : ADILSON FIGUEIRA BRANDÃO E OUTRO
 ADVOGADO : JOSÉ AUGUSTO GARCIA - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS
 RECORRIDO  : NELSON CARDOSO PINTO 
 ADVOGADO : ADILSON FERREIRA E OUTRO
 
EMENTA
 
PROCESSO CIVIL. ADVOGADO QUE DEFENDEU OS INTERESSES DA PARTE CONTRÁRIA EM AÇÃO ANTERIOR. NULIDADE DO PROCESSO. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE QUEBRA DO DEVER DE SIGILO PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO ENTRE OS FATOS DISCUTIDOS NAS DUAS AÇÕES. IRRELEVÂNCIA DAS SUPOSTAS INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS DO ADVOGADO NO JULGAMENTO DA AÇÃO. POSTERGAÇÃO PROPOSITAL DA ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL.
 
- O fato de o advogado do autor ter anteriormente defendido os interesses do réu em outra ação não dá ensejo, obrigatoriamente, à anulação do processo se o recorrido não participou da ação ajuizada pelo primeiro recorrente, pois o art. 19 do Código de Ética e Disciplina da OAB autoriza o advogado a postular em nome de terceiros contra ex-cliente ou ex-empregador, ressalvando apenas o dever de resguardar o segredo profissional e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas.
 
- Ademais, não haverá sentido na anulação do processo se os fatos discutidos na ação anterior não tiverem relevância para o deslinde da controvérsia e, ademais, a convicção dos julgadores tiver se formado em torno das provas documentais e testemunhais acostadas aos autos.
 
- Também não haverá motivo para anulação do processo se a parte posterga a alegação de irregularidade da representação processual, trazendo-a à tona somente após a confirmação, em 2º grau de jurisdição, de que o desfecho da ação lhe seria desfavorável, evidenciando pouca transparência na condução do processo, ao que tudo indica com o intuito de surpreender a parte adversa e manipular a prestação jurisdicional. Nesse contexto, ainda que haja algum prejuízo, tendo este resultado exclusivamente da má-fé processual da parte, não há porquê anular o processo, sob pena desta se beneficiar de sua própria torpeza.
 
Recurso especial a que se nega provimento.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.
 
Brasília (DF), 25 de agosto de 2009(Data do Julgamento)
 
MINISTRA NANCY ANDRIGHI  
Relatora
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Cuida-se de recurso especial interposto por ADILSON FIGUEIRA BRANDÃO e ANA LÍDIA AMBRÓSIO, com fundamento no art. 105, III, “a”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ⁄RJ.
 
Ação: de reintegração de posse, ajuizada por NELSON CARDOSO PINTO em desfavor dos recorrentes, alegando estarem estes se recusando a desocupar imóvel cedido em comodato por prazo determinado.
 
Em sede de contestação, os recorrentes alegaram ter adquirido onerosamente o imóvel. Ademais, formularam pedido alternativo contraposto de retenção e indenização por benfeitorias executadas no bem.
 
Sentença: o pedido formulado na inicial foi julgado procedente, para reintegrar o recorrido na posse do imóvel, tendo sido afastado o pedido contraposto de retenção pelas benfeitorias construídas (fls. 349⁄354).
 
Acórdão: o TJ⁄SP deu parcial provimento ao apelo dos recorrentes, nos termos do acórdão (fls. 393⁄398) assim ementado:
 
“Ação de Reintegração de Posse. Imóvel cuja posse sempre foi do autor. Sentença julgando procedente o pedido. Recurso de Apelação Cível, onde se busca a improcedência ou o reconhecimento do direito de retenção por benfeitorias.
 
Reforma parcial, estando provada a posse anterior do autor. Possuía o réu, apenas, mera posse indireta. Não foi demonstrada a posse de má-fé por parte do réu, este deve ser indenizado pelas benfeitorias. Arts. 516 e 547 do Código Civil de 1916. Assim, mantém-se a sentença na parte em que decretou a expedição de mandado de reintegração de posse, condicionando sua expedição ao pagamento com juros da citação e correção desde cada pagamento dos valores constantes das notas fiscais de fls. 73⁄82, exercendo os réus o direito de retenção até o depósito por guia da importância a ser calculada. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO”.
 
Embargos de declaração do recorrido: foram rejeitados pelo TJ⁄RJ (fls. 423⁄426).
 
Embargos de declaração dos recorrentes: com expresso caráter infringente, requerem a decretação da nulidade do processo, desde o início, sob o argumento de que o advogado do recorrido, Dr. Lander Rodrigues de Oliveira, na época em que ainda era estagiário, teria sido constituído pelo primeiro recorrente em outro processo, que “versava sobre fatos relativos ao mesmo imóvel objeto da presente reintegratória” (fls. 428⁄433). O TJ⁄RJ acolheu parcialmente os embargos de declaração, sem efeitos modificativos, tão-somente para consignar que “não houve qualquer prejuízo e a decisão não foi afetada pelo fato ora trazido” (fls. 447⁄450).
 
Recurso especial: alega ofensa aos arts. 13, 125, I, 250, parágrafo único, e 267, § 3º, do CPC, na medida em que o TJ⁄RJ deveria ter reconhecido a nulidade absoluta do processo por irregularidade na representação processual do recorrido (fls. 453⁄462).
 
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ⁄RJ negou seguimento ao recurso especial (fls. 469), dando azo à interposição de agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento, para determinar a subida dos autos (fls. 503).
 
É o relatório.
 
VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
 
Cinge-se a controvérsia a determinar se o fato de o advogado do autor ter anteriormente defendido os interesses do réu em outra ação, dá ensejo à anulação do processo.
 
Alegam os recorrentes que houve desequilíbrio na relação processual aqui instaurada, pois “o cliente tudo confia ao advogado (o mesmo se dizendo dos estagiários deste), inclusive seus segredos mais íntimos” (fls. 458).
 
Inicialmente, verifico que, ao contrário do que procuram fazer crer os recorrentes, os fatos narrados na petição inicial da ação por eles ajuizada não têm nenhuma relevância para o deslinde da presente controvérsia.
 
Com efeito, naquele processo pede-se a indenização por danos materiais e morais decorrentes do arrombamento do imóvel objeto desta ação. Não houve qualquer discussão sobre a que título os recorrentes detêm a posse do imóvel, de modo que, a rigor, nenhuma informação a esse respeito foi repassada aos profissionais que representaram o primeiro recorrente em juízo.
 
Além disso, os recorrentes não trouxeram nenhum indício de que o advogado, Dr. Lander Rodrigues de Oliveira, tenha efetivamente atuado naquele processo, havendo apenas prova de que lhe foi outorgada procuração para tanto, na condição de estagiário. A única peça processual daquela ação trazida aos presentes autos – uma cópia da petição inicial – foi subscrita exclusivamente pelo Dr. Wellington Magno Ferreira Bicego.
 
Outrossim, conforme destacado pelo TJ⁄RJ, a ação movida pelo primeiro recorrente foi ajuizada contra outra pessoa que não o recorrido, de sorte que os profissionais que atuaram naquele processo não estavam impedidos de representar o mesmo nesta ação. O próprio Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu art. 19, autoriza o advogado a postular em nome de terceiros contra ex-cliente ou ex-empregador, ressalvando apenas o dever de “resguardar o segredo profissional e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas”.
 
Ademais, os recorrentes não apontam, mesmo que genericamente, quais teriam sido as informações sigilosas ou privilegiadas a que o Dr. Lander, supostamente, teve acesso, limitando-se a afirmar que “o prejuízo é presumido de forma absoluta” (fls. 458).
 
Mesmo que, ad argumentandum, fosse possível superar esses argumentos, não se vislumbra como eventual conhecimento dos fatos teria beneficiado o recorrido ou influenciado no resultado do julgamento desta ação. Da análise da sentença e do acórdão, constata-se que a convicção dos julgadores se formou em torno das provas documentais e testemunhais acostadas aos autos.
 
Não se alega, por outro lado, a retenção indevida de documentos pelo Dr. Lander no período em que representou os interesses do primeiro recorrente, que pudesse ter inviabilizado ou dificultado a defesa nesta ação, ou, ainda, que tivessem sido usados contra os recorrentes pelo recorrido que ora se utiliza de seu patrocínio.
 
Dessa forma, considerando que: (i) o recorrido não participou da ação ajuizada pelo primeiro recorrente; (ii) os fatos discutidos naquela ação não têm relevância para o deslinde da presente controvérsia; (iii) não há indício de que o Dr. Lander tenha efetivamente atuado naquele processo; e (iv) o julgamento deste processo se deu com base nas provas documentais e testemunhais acostadas aos autos:
não há prática de nenhum ato irregular do Dr. Lander, tampouco a existência de prejuízo aos recorrentes, capaz de justificar a anulação dos atos praticados neste processo.
 
Finalmente, destaco a demora dos recorrentes em suscitar a suposta irregularidade na representação processual do recorrido. Não obstante admitam que o Dr. Lander atua neste processo “a partir do substabelecimento de fls.
 
23” (fls. 429), juntado aos autos em 29.07.2002 (fls. 21vº), os recorrentes somente se insurgiram contra tal fato em 28.06.2004, ou seja, quase 02 anos depois. Nesse meio tempo, o referido advogado emendou a petição inicial (fls. 25⁄30), compareceu à audiência de justificação (fls. 59⁄60) e sustentou oralmente na sessão de julgamento da apelação (fls. 392), sem que a prática de nenhum desses atos fosse oportunamente contestado pelos recorrentes.
 
Não podem os recorrentes alegar não ter se apercebido antes do fato, pois o Dr. Lander compareceu à audiência de justificação, realizada em 18.12.2002, ocasião em que estiveram frente a frente, porque presentes àquele ato (fls. 59). O relevante é que os recorrentes somente questionaram tal fato após o julgamento da apelação por eles interposta, que manteve a desocupação do imóvel.
Evidente, portanto, a pouca transparência com que os recorrentes agiram no processo, ao que tudo indica com o intuito de surpreender a parte adversa e talvez tentar manipular a prestação jurisdicional. Postergaram, à sua conveniência, a alegação de irregularidade da representação processual, para usá-la apenas em momento que consideraram lhes seria mais propício.
 
Assim, também sob essa perspectiva, não há como acolher o pleito dos recorrentes, pois, se existente algum prejuízo, este teria resultado, exclusivamente, de sua má-fé processual, não lhes sendo lícito, agora, tentar beneficiar-se da própria torpeza.
 
 Forte em tais razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
 
VOTO-VOGAL
 
EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
 
Srs. Ministros, a questão do patrocínio simultâneo, que poderia até caracterizar uma tergiversação, no caso não ocorre, porque não é exatamente o mesmo processo.
 
A circunstância de o mesmo advogado patrocinar os interesses do seu constituinte em processos diversos não encontra apenas óbice nessas limitações do Código de Ética da Ordem dos Advogados, no sentido de que deve guardar sigilo no que for pertinente.
 
Acompanho integralmente o voto da eminente Ministra Relatora, negando provimento ao recurso especial.
 
Ministro MASSAMI UYEDA
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2006⁄0090031-6
 REsp 844802 ⁄ RJ
 
 Números Origem:  20020240017760  200413511592  200500381738  200513700972  56532004
PAUTA: 18⁄08⁄2009
 JULGADO: 18⁄08⁄2009
 
Relatora
 
Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI
 Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA
 
Secretária
 
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
 RECORRENTE  :  ADILSON FIGUEIRA BRANDÃO E OUTRO
 ADVOGADO  :  JOSÉ AUGUSTO GARCIA - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS
 RECORRIDO  :  NELSON CARDOSO PINTO
 ADVOGADO  :  ADILSON FERREIRA E OUTRO
 
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Posse
 
CERTIDÃO
 
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
 
"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Brasília, 18  de agosto  de 2009
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária
 
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2006⁄0090031-6
 REsp 844802 ⁄ RJ
 
Números Origem:  20020240017760  200413511592  200500381738  200513700972  56532004
PAUTA: 18⁄08⁄2009
 JULGADO: 25⁄08⁄2009
 
Relatora
Exma. Sra. Ministra  NANCY ANDRIGHI
 Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE :  ADILSON FIGUEIRA BRANDÃO E OUTRO
ADVOGADO  :  JOSÉ AUGUSTO GARCIA - DEFENSOR PÚBLICO E OUTROS
RECORRIDO  :  NELSON CARDOSO PINTO
 ADVOGADO  :  ADILSON FERREIRA E OUTRO

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