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Entrevista com desembargador: "A sociedade precisa conhecer os direitos constitucionais dos presos"

06/02/2010 10:00 | AMB
    O desembargador José Ribamar Froz Sobrinho recebeu uma nobre e gratificante missão: coordenar, no Maranhão, todo o planejamento e execução do Projeto “Começar de Novo”, uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem por objetivo reinserir os egressos do sistema carcerário no mercado de trabalho. Em entrevista à AMMA, Froz detalha todos os estágios do projeto, como as ações serão implantadas no Maranhão e de que forma o Judiciário pretende sensibilizar a sociedade sobre os direitos constitucionais dos presos.
 
    Em que consiste o Projeto “Começar de Novo” do qual o senhor é coordenador no Maranhão?
 
José de Ribamar Froz - Este projeto é muito amplo e consiste em um avanço social. Trabalha em duas vertentes determinadas pelas Resoluções 89 e 96 do CNJ. A primeira trata do mutirão carcerário, ou seja, vai trabalhar o processo de execução penal diretamente com as Varas de Execução Criminal. Em São Luís, já iniciamos a identificação dos processos. No segundo momento passaremos a virtualizá-los , disponibilizando-os  na rede eletrônica para a implantação de  um novo sistema de acompanhamento, de forma que o preso seja acompanhado desde o início da execução até o final.
 
Em síntese, qual a metodologia deste mutirão carcerário?
 
Froz - Nós vamos identificar quais os benefícios que o apenado tem direito no decorrer da pena, colocaremos todos os processos em dia e retomaremos o procedimento normal de cada um desses processos, ou seja, teremos a execução no curso do tempo e do espaço. Também vamos criar outra Vara de Execução em são Luís que vai atuar em conjunto com a já existente, no sentido de agilizar o processo.
 
O senhor acredita que este trabalho de reinserção pode diminuir a criminalidade no país?
 
Froz- Com certeza, não há dúvida disso. Já foi identificado, a partir de alguns dados, que o índice de reincidência é altíssimo no Brasil, beirando a 80%, tanto por parte dos que já cumpriram a pena quanto daqueles que ainda estão no sistema em regime aberto, semi- aberto, liberdade condicional ou gozando de outro benefício. Grande parte deste contingente retorna à prática de algum delito por falta de oportunidade de emprego.
 
Manter um preso confinado custa muito caro para o Estado?
 
Froz - Cada aprisionado no Brasil tem um custo médio para o Estado de três salários mínimos. Então, se questiona: já que o Estado paga este valor para manter a pessoa presa, por que o próprio Estado não usa toda a sua rede já existente para garantir meios de sobrevivência ao preso após o cumprimento da pena?
 
De que forma vai acontecer esta reinserção no mercado de trabalho?
 
Froz – A idéia é que haja a reinserção produtiva, pois não adianta apenas restabelecer o vínculo familiar ou comunitário do preso, e sim, reinseri-lo no mercado de trabalho. Este processo vai acontecer em várias etapas, a primeiro deles se dará a partir de um censo no sistema prisional maranhense, a partir do qual obteremos todas as informações possíveis com relação a cada um desses apenados.
 
Existem vagas suficientes no mercado de trabalho do Maranhão para este público?
 
Froz - Nós já identificamos que o grande gargalo deste projeto não é o número de vagas. Não existe problema com relação a quem vai assumir o projeto, pois existem hoje mais vagas no mercado de trabalho do que as pessoas que estão cumprindo pena. O grande problema, nesse primeiro momento,  é a questão documental, pois para inserir o preso no mercado de trabalho é preciso que ele tenha os documentos básicos e a maioria não tem. Nem mesmo a certidão de nascimento, o que é um absurdo, pois quando ele vai presos não leva documentação para a unidade prisional e, às vezes, é abandonado pela família, não sabendo informar nem mesmo aonde foi feito o registro de nascimento. Sem o CPF, por exemplo, ele não pode ter direito nem ao cartão de transporte para se locomover. Sem o alistamento militar, não poderá exercer uma série de atividades, inclusive nas funções do serviço público.
 
E como este problema será resolvido?
 
Froz - Estamos agilizando a emissão de alguns documentos, como por exemplo, a  Carteira de Identidade,  que é paga, mas conseguimos junto à Secretaria de Segurança abolir a taxa para os presos, que tem o custo de R$ 18,00 cada uma. Esbarramos em outro problema, que é a foto 3X4, que também é paga. Conseguimos com alguns parceiros a doação das fotos de todos que estão nas unidades prisionais e até de egressos que já cumpriram pena.
 
Há alguns estágios a seguir até o preso começar a trabalhar?
 
Froz - Vamos trabalhar ainda em três grandes vetores até chegar à reinserção. O primeiro deles é a família. Não há como reinserir o preso sem trazer a família de volta. A grande reinserção que tem que ser feita é na família. Recepcionado pela  família, ele é recepcionado por toda a sociedade e volta a trabalhar. O que acontece hoje e que o egresso é estigmatizado. Dados do IBGE mostram que a família do presos nega que haja alguém cumprindo pena.
 
Se há preconceito da própria família, como a coordenação do projeto pretende agir para vencer esta etapa?
 
Froz -Não será nada fácil, mas o CNJ já programas que ajudarão a resolver este problema. Existe um  benefício ao apenado que é o Seguro Cárcere que a família recebe mensalmente, no valor de um salário mínimo mensal , enquanto  ele estiver cumprindo a pena. Porém, só tem direito a este benefício preso que algum dia tenha sido contribuinte da Previdência, ou seja, que tenha sido funcionário público ou trabalhado com carteira assinada.
 
Este contingente deve ser bem pequeno, e os quanto aos que nunca contribuíram?
 
Froz - Aqueles que não têm direito a este  seguro nós vamos inserir no Bolsa Família. Esta é uma prioridade do ministro Gilmar Mendes com o objetivo que a família valorize e ampare o seu ente que esteja cumprindo pena por qualquer delito. A família tem que se sentir responsável. No crime de tráfico de drogas, por exemplo, quando um pai é preso,  o tráfico passa a ser assumido por um filho, pela mãe ou pela esposa, então a família não sai do circulo vicioso do crime, mas se recebesse o benefício talvez isso não acontecesse.
 
O senhor espera contar com parcerias para executar este projeto?
 
Froz - É incrível como no Brasil existem programas voltados pra este público. Um exemplo é a rede Sesi e Senac, que disponibiliza cursos, os quais não são oferecidos  de forma permanente. Tais programas não tinham o acompanhamento do Judiciário e nem eram valorizados. No Senac existe um projeto que atua junto ao apenado dentro do próprio local onde esteja trabalhando, os professores vão ao campo e aplicam o curso na área, sem que o preso precise se deslocar. A mesma coisa acontece aos que trabalham na zona rural. O Senac possui unidades móveis e professores, o mesmo acontecendo com o Cefet. Existem vagas, mas faltava compilar para o nosso projeto. A capacitação profissional será dada nas unidades prisionais e para os egressos.
 
Quando será o ponto de partida deste projeto?
 
Froz - O grande momento já está começando. Existem pessoas que foram libertados ou mudaram de regime e que já estão inseridos no mercado de trabalho. Para isso atacamos três grandes pontos, a começar pela rede pública. Nós conseguimos que o governo do estado do Maranhão editasse uma lei, que dependeu muito da sensibilidade da governadora, cujo projeto será pioneiro no Brasil, o qual será lançado em São Luís no dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher,  com a presença do ministro Gilmar Mendes. A lei prevê que um total de 2% a 5% das vagas destinadas aos terceirizados prestadores de serviços ao Estado sejam destinadas aos egressos do sistema penitenciário . A Prefeitur a de São Luís também já se comprometeu a editar um decreto na próxima semana disponibilizando 5% de vagas do serviço terceirizado para este mesmo público e o mesmo procedimento deverá ser adotado pela prefeitura de Imperatriz.
 
Haverá parcerias com a iniciativa privada?
 
Froz – Sim, a iniciativa privada é imprescindível para o êxito deste projeto, Estamos estabelecendo parceria com o Sindicato da Construção Civil para que os presos sejam contratados para trabalhar nas obras do Programa Minha Casa Minha Vida, o qual possui um contingente de três mil vagas em todo o estado. Outro programa muito bom é o de empreendedorismo, uma parceria do Banco do Nordeste com o  Governo do Estado para a concessão de linhas de crédito para os egressos que queriam montar pequenos empreendimentos, como venda de cachorro quente, por exemplo.
 
Qual a previsão quantitativa de presos a serem inseridos no projeto a curto prazo?
 
Froz - Estamos dependendo da conclusão do censo e do mutirão para termos uma idéia de quantos e quais os presos que serão inseridos no Programa Começar de Novo nesta fase inicial. Sabemos que existem mais de cinco mil presos no Maranhão cumprindo pena. O Maranhão foi o estado escolhido pelo CNJ para sediar a abertura do projeto, no dia 8 de março, com a presença do ministro Gilmar Mendes. A receptividade do poder público estadual e municipal fez a diferença para que a escolha  recaísse sobre o Maranhão.
 
O senhor acredita no êxito do Projeto “Começar de Novo”?
 
Froz - Eu sou um entusiasta do Programa Começar de Novo, pois acredito na reinserção do egresso na sociedade por meio do trabalho e da família. Há uma pesquisa que aponta que aquilo que o presos mais deseja é a liberdade e, em segundo, o trabalho. Ao empregar a minha força neste projeto, estou fazendo nada mais do que a minha parte como magistrado e como cidadão.
 
E a sociedade, será que entende a importância da reinserção do preso?
 
Froz - Chegou o momento da sociedade compreender que os presos gozam de direitos constitucionais e eles têm que cumprir a pena e retornar à sociedade, não há como fugir disso. O CNJ não está inventando a roda; o Judiciário está fazendo a parte dele e passaremos a tratar o preso não apenas como mais um processo ou um número, mas como um ser humano com direitos constitucionais.
 
Então, na sua avaliação, a sociedade pode avançar e se tornar uma grande parceira neste trabalho?
 
Froz - A sociedade e o poder público estão apostando no sucesso do “Começar de Novo” e não tenho dúvidas que quando o projeto estiver em plena execução, teremos uma redução de reincidência, que hoje é de 80%, para menos de 25%.  A sociedade não assimilou ainda os direitos constitucionais dos presos e uma das formas de Fazê-la compreender é por meio da reinserção. Tudo o que os apenados mais querem é retornar ao convívio social, cabendo a nós permitir isso. Tenho a plena convicção de que o projeto Começar de Novo é o caminho e que vai dar certo.
 
 

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