A necessidade de ainda lutar por garantias que as leis brasileiras já estabelecem faz parte do cotidiano da mulher advogada, sobretudo daquela que deseja militar na política classista. Falar dos desafios e das conquistas e motivar a participação feminina cada vez maior nessas áreas foram os propósitos das palestras “Prerrogativas da Mulher Advogada” e “Participação da Mulher na Política”, proferidas na noite de quinta-feira (26), no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), uma realização do Tribunal de Defesa das Prerrogativas (TDP) da entidade.
Os obstáculos às atividades advocatícias realizadas por mulheres começaram a ser lembrados desde a abertura do evento pelos membros do TDP e da diretoria da OAB-MT presentes. O diretor-tesoureiro da Ordem, Helmut Daltro, destacou a necessidade de evoluir ao ponto de não mais se discutir questões de direitos e prerrogativas de gênero, mas de pessoas. “Aí, me pergunto, quando vamos entender que as prerrogativas são do cidadão, representado por essa advogada, por esse advogado?”, questionou.
Outro posicionamento defendido por Daltro foi a necessidade de o respeito às questões de gênero passar pelo processo educacional da pessoa. E clamou aos colegas advogados para, quando vivenciarem situações do vilipêndio às prerrogativas das advogadas, sejam os primeiros a saírem em defesa delas. “Alguns advogados esquecem que estão em lados opostos em uma demanda judicial, mas não numa situação de inimizade. Muitas vezes, eles contribuem para o vilipêndio dessa prerrogativa da mulher advogada mesmo sem querer, sendo deselegante”.
O presidente do TDP, André Stumpf, enfatizou a importância de se combater comportamentos que vão desde a piada nos meios jurídicos, nos órgãos públicos até o uso de uma pretensa superioridade masculina para coagir a mulher advogada. “É necessário começar a combater não só a piada, mas o pensamento do próprio colega na audiência, por ter uma mulher do outro lado, de tentar se prevalecer de uma outra forma, seja com intimidação, coação moral. Que isso seja combatido vindo de um magistrado, de um gestor, de um policial, de qualquer cidadão”.
O respeito às prerrogativas e os direitos da mulher advogada foram lembrados pela secretária-geral adjunta, Gisela Cardoso, como dois pilares da atual administração da OAB-MT, complementando com a informação de que o Sistema OAB em Mato Grosso sempre foi vanguarda na obtenção de medidas que garantem os direitos da atuação feminina na advocacia.
“Temos a nossa Caixa de Assistência de Mato Grosso como a pioneira na questão do auxílio maternidade. Foi a primeira no Brasil que concedeu e, depois, copiada por todos. Foi Mato Grosso também a primeira seccional que conseguiu as portarias dos tribunais para suspender os prazos e audiências das advogadas gestantes e lactantes. Posteriormente, isso virou lei. Então, essa luta, pela garantia das prerrogativas e dos direitos da mulher advogada, é da OAB-MT há muito tempo. Com certeza, um pilar dessa gestão”, afirmou a advogada.
Palestras – Focada no intuito de motivar as mulheres a assumirem as cadeiras historicamente ocupadas por homens dentro de órgãos públicos, no sistema judiciário e na política, a consultora da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Juliana Leahy, enfatizou que a mulher pode ocupar esses lugares, mas precisa entender que pode e saber se o quer fazer.
“O que a impede de ocupar? Primeiro, existe um hábito da própria mulher em se culpar e existe ainda uma cultura escondida e não confiar inteiramente na mulher. Os homens que ocupam historicamente a política dizem que estão abrindo caminho, mas a gente encontra muita dificuldade para conseguir assento, porque eles não querem levantar da cadeira para a mulher se sentar”.
Ela apresentou o histórico da inserção da mulher na vida jurídica e na vida política brasileira, que data do século XX. Apontou que, em 86 anos de existência da OAB, apenas por duas vezes mulheres assumiram assentos como membros da diretoria do Conselho Federal. “Ainda é um cenário de desigualdade e preconceito”, afirmou.
“Não é por falta de capacidade da mulher, porque temos muitas capazes. Mas tem a questão de a mulher querer ocupar esses lugares. Nem sempre ela quer abrir mão da vida familiar, dos filhos, de estar dentro de casa para participar da vida política, da vida profissional, porque não é valorizada, ter menor remuneração. Para mudar isso, só incentivando a adesão cada vez maior de mulheres”.
Legislação – O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) foi reformulado no ano passado e, em seu artigo 7º A, inseriu prerrogativas dirigidas à mulher advogada. Esse foi o tema da presidente da Comissão de Prerrogativas da Seccional Rondônia da OAB, Maracélia de Oliveira. “Nós tínhamos como prerrogativa mais violada o fato de que o nosso artigo 6º do Estatuto diz que não há hierarquia entre nós, advogadas, membros da magistratura e membros do Ministério Público. Ocorre que só as mulheres advogadas, por exemplo, não poderiam gozar dos primeiros momentos do seu bebê, porque não tinham os prazos suspensos, e hoje a lei prevê”, relatou.
Concretizar a lei ainda é um desafio para a mulher advogada. Embora tenha direito a uma vaga preferencial nos fóruns, por exemplo, nem todos disponibilizam. “Temos a suspensão dos prazos para a advogada parturiente, temo direitos para a mulher advogada não passar por detectores de metais. Na verdade, são alguns direitos que não precisariam de a lei estabelecer. Melhor exemplo de todos. A mulher advogada grávida ter direito a ter preferência para uma sustentação oral. Era preciso que a lei dissesse isso?”, comentou a palestrante.
Por fim, deixou um recado à mulher advogada que quer mudar a realidade: “o melhor caminho para ter a garantia de suas prerrogativas é passar a assumir o seu papel dentro do Sistema Ordem. Em que pese hoje o número de advogadas oscilando entre 50%, 52%, ou seja, a metade dos inscritos no país são mulheres, a nossa participação dentro do Sistema Ordem é ínfima. O resultado é que a Ordem não é enxergada de acordo com os olhos da mulher, das necessidades da mulher. Essa mudança da reforma da lei, inclusive, resultou da pequena participação de mulheres, eram cinco no Conselho Federal. O que eu peço para as mulheres advogadas é para que façam parte da Ordem, ocupem os espaços para que ela possa enxergar o Sistema e a advocacia pelo viés da mulher advogada”.
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