As constantes transformações que atravessa o mundo do trabalho não estão obtendo ressonância quando o assunto é leis trabalhistas ou previdenciárias no Brasil, sobretudo quanto à aquisição de direitos sociais e do trabalhador. O Painel 5 da manhã desta quinta-feira (17) da XX Conferência Estadual da Advocacia, em conjunto com a XX Semana Jurídica, evidenciou tal constatação. O juiz do Trabalho Rodrigo Trindade e a doutora em Serviço Social Sara Granemann, integrantes da discussão sobre Direito do Trabalho, Previdenciário e Sindical demonstram o quão frágil tornaram-se os direitos brasileiros de trabalho e seguridade com as reformas Trabalhistas, já aprovada, e Previdenciária, em aprovação.
A um auditório repleto de advogados, advogadas e estudantes de Direito, a professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro esclareceu que, nos termos que se apresenta hoje o projeto de Reforma da Previdência no Brasil, não pode ser considerado uma proposta de reforma, mas de contrarreforma, tendo em vista a subtração de direitos dos trabalhadores que imprimirá e, portanto, a supressão da cidadania.
"Se é para reduzir direitos conquistados em dado momento de avanço da luta de classe, não é reforma, mas uma contrarreforma. Se fosse para expandir a democracia, para aumentar a cidadania seriam medidas para alargar direitos, constituir direitos, mas não é isso que estamos vendo. Estamos vivendo um movimento orquestrados pelos capitais para subtrair direitos consolidados, juntamente com o Estado e os governos", esclareceu Sara Granemann, convidada para abordar o tema "Democracia: as contrarreformas dos direitos sociais permitem a cidadania?".
A pesquisadora apontou três momentos em que houve contrarreformas na história recente brasileira: a feita no governo de Fernando Henrique Cardoso, no governo Lula e na atual proposta na presidência de Michel Temer, que se baseiam em dois argumentos fundamentalmente – os mesmos que verificou nos países do sul da Europa quando esteve estudando as contrarreformas ocorridas por lá. "Mas aqui se parte de um patamar de cortar cerca de 40% dos direitos previdenciários para todos os trabalhadores", acrescentou.
As duas premissas são longevidade e os déficits dos regimes geral e próprio de seguridade. "Para se pensar em cidadania e em democracia, aumentar a longevidade da humanidade não pode ser considerado um atraso, um óbice, um problema. Ao contrário, isso é a maior conquista humana. Se a vida não for um marco importante para pensar todas as políticas sociais, estamos aqui a perder tempo. Dizer que as pessoas estão vivendo muito e isso é motivo para suprimir direitos trabalhistas e previdenciários, significa recuar na história e no projeto civilizatório", ponderou.
Quanto aos déficits do Regime Geral, Sara aponta que os valores repassados na média, algo próximo a três salários mínimos, seja suficiente para estabilizar uma sociedade e suprimir as desigualdades. "Dos 100% do Regime Geral, quase 80% estão dentro da faixa de recebimento até o valor de três salários mínimos. Nós não podemos achar que isso é um valor que quebra as contas do Regime Geral de Previdência Social".
Na hipótese da pesquisadora, a contrarreforma em curso serve para responder de modo positivo tão somente à crise dos capitais, para resolver a crise privada com recursos públicos. "Tanto que a primeira proposta das entidades de capitais é estabelecer um teto aos gastos previdenciários. As legislações defendidas não estão sendo feitas para instituir e alargar cidadania em nosso país. Estão sendo feitas porque os capitais, mais do que em qualquer momento da história, não podem superar suas crises se não se apropriando dos trilhões de fundo público", disse taxativamente, informando que os valores dos fundos previdenciários no país ultrapassam a casa dos R$ 3 trilhões, conforme sua pesquisa.
Precarização - Quanto às leis trabalhistas, o cenário da recém-aprovada Reforma foi tão insatisfatório quanto ao apresentado sobre a Previdência, mas nas palavras de Rodrigo Trindade. Com o tema "Reforma Trabalhista: 10 Novos Princípios de Direito (Empresarial) do Trabalho", o juiz resgatou o histórico de perdas de direitos do trabalhador contrapondo à dinamicidade do mundo do trabalho.
"É normal esperar que o Direito do Trabalho sofra alterações, pois o mundo do trabalho está sempre em transformação, novas profissões, outras que deixaram de existir e as leis precisam acompanhar. Isso não é algo que deva nos assustar. Em falar em Reforma, aparentemente neutra, que tem o objetivo de modificar pra melhor. Porém, nos últimos anos, reformar a legislação do trabalho é sinônimo de retirar direitos, elevar jornada de trabalho e facilitar dispensas de funcionários e trocar o paradigma da relação de emprego por outras formas de trabalho precarizadas", resumiu.
A atual Reforma, Trindade comparou ao feijão de sexta-feira, aquele que foi cozido na segunda-feira, requentado ao longo da semana e, chega, na sexta-feira, "era o pior dia do feijão. A Reforma Trabalhista de 2017 é como o feijão de sexta-feira", brincou fazendo a analogia com a piora nas relações de trabalho desde a década de 1970 no país.
A Lei 3.429/2017, que ampliou a terceirização, o projeto de Lei 1.572/2011, de limitação fiscal, o projeto 6.442/2016, que faz a modificação no trabalho rural, "que faz a reforma trabalhista parecer muito pequena, tímida, frente à precarização buscada nessa nova lei de trabalho rural", pontuou o juiz, formam o arcabouço de legislações dos últimos 14 meses ao qual ele deu o nome de derretimento do estado social, "um momento único da histórica da República, de diminuição do Estado e da aptidão de cumprimento da promessa constitucional de que é possível viver com dignidade a partir do trabalho".
As justificativas apresentadas para Reforma Trabalhistas foram desmistificadas pelo palestrante. A primeira, de que a Lei Trabalhista é ultrapassada. "A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) de 1943 não existe mais porque ela foi lipoaspirada e trocada por moças mais jovens porque somente 15% dos dispositivos daquela época se mantêm vigentes. E foi trocada por moças mais novas em razão da jurisprudência simulada. Somente o TST (Tribunal Superior do Trabalho) possuiu hoje mais de mil verbetes sumulares. Então a jurisprudência vem atuando na modernização das leis do trabalho".
O segundo grande fetiche, nas palavras de Trindade, da Reforma Trabalhista, é de que gera desemprego e impede o crescimento, geralmente dito por representantes de instituições empresariais. "Dizem que é preciso modernizar para reduzir custos e alavancar a produção e, para isso, propõe a perda de direitos trabalhistas, porque dificultaria o caminho da produção. Isso não é verdade. Brasil está longe de ser um dos países mais protecionistas em matéria de direito do trabalho. Pelo contrário".
Dentre outras ponderações, destacou também a relação de salário mínimo e desemprego, pois defendeu que o aumento do salário não significa perda de produtividade e nem de empregabilidade; que a justiça do trabalho é instrumento de medida de civilização de uma comunidade, que permite o equilíbrio social e que os conflitos sejam resolvidos de forma aberta; que o custo do trabalho no Brasil é de apenas R$ 4/hora de trabalho, enquanto que nos Estados Unidos é de R$ 23/hora, na comparação do salário mínimo e no Chile, de R$ 6/hora, e muitas outras.
"A maior mentira, a mais deslavada que se disse sobre a Reforma Trabalhista é de que não há retirada de direitos da CLT. Gostaria de pelo menos mais umas seis horas para falar de todos os itens alterados na legislação do trabalho", criticou o juiz.
A XX Conferência da Advocacia segue nesta sexta-feira com mais painéis temáticos pela manhã e duas palestras noturnas até o encerramento do evento, no Centro de Eventos do Pantanal.