A presunção de inocência é uma “norma de tratamento” também para menores infratores. Portanto a decretação de internação antes da sentença só pode ser determinada se “demonstrada a necessidade imperiosa da medida”, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Parece óbvio, mas uma decisão que ia contra esse entendimento teve que chegar até a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal para ser reformada, seguindo o voto do relator, ministro Dias Toffoli. É a primeira vez que o STF decide a matéria e a orientação deve valer para todos os tribunais.
O caso veio de São Paulo, onde um menor foi preso em flagrante e denunciado pela infração análoga aos crimes de roubo e lesão corporal. Na sentença, o juiz aplica a medida socioeducativa de “internação por prazo indeterminado” e acrescenta que “a execução da medida deverá iniciada imediatamente, independentemente da interposição de recurso”.
A defesa, então, entrou com pedido de Habeas Corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Lá, o órgão responsável por analisar questões ligadas a menores é o Conselho Superior da Magistratura. É um colegiado que reúne o presidente, o vice e o corregedor do tribunal, além dos presidentes das três seções de turmas de julgamento (Direito Privado, Direito Público e Direito Criminal). E o CSM afirmou que “o princípio da inocência não pode ser interpretado de forma absoluta, sob pena de afronta aos objetivos primordiais da legislação de menores, que tem por norte a proteção integral.”
O Superior Tribunal de Justiça também negou o pedido de HC. Em decisão monocrática, a ministra Maria Thereza de Assis Moura entendeu que o pedido deveria ter sido feito em Recurso Ordinário. Tratou-se, portanto, segundo ela, de Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário.
A 1ª Turma do Supremo, no entanto, concedeu a ordem, seguindo entendimento do ministro Dias Toffoli (foto). Aplicou jurisprudência que vem se consolidando no colegiado: não conheceu do HC, por entender que se trata de substitutivo ao recurso ordinário, mas analisou o mérito para conceder a ordem.
Outra preliminar afastada foi a da Súmula 691 do STF, que proíbe a concessão de Habeas Corpus a decisão monocrática de relator do STJ antes de análise pelo colegiado. Ele argumentou que, diante de “manifesta ilegalidade” ou “teratologia”, a súmula poderia ser superada.
Toffoli aplicou ao caso o mesmo princípio da prisão provisória, já que se trata também de restrição à liberdade. Ele entendeu que a decretação de internação imediata independente de recurso foi uma antecipação da punição que possa vir a ser aplicada ao caso.
“A presunção de inocência, aqui, imbrica-se com outros direitos fundamentais, uma vez que a prisão provisória, derivada meramente da imputação, desveste-se de sua indeclinável natureza cautelar, perde o seu caráter de excepcionalidade (artigo 5º, inciso LXVI, CF), traduz punição antecipada, viola o devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, CF) e resulta no tratamento do imputado como culpado. Esse raciocínio, próprio do processo penal, a toda evidência, tem aplicação ao processo em que se apura a prática de ato infracional: ubi eadem ratio, ibi idem jus [onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito]”, escreveu o ministro.
Toffoli argumentou que, embora a medida socioeducativa tenha “natureza pedagógica”, tem a característica de privar o menor de liberdade e por isso “reveste-se de caráter sancionatório-aflitivo”.
Ao decretar a internação antes do trânsito em julgado, o juiz “violou o princípio da presunção de inocência — uma vez que, antes do trânsito em julgado da sentença, somente se admite internação revestida de natureza cautelar — e o dever de fundamentar a decisão, previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal e no artigo 106 da Lei 8.069/90 (‘nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente’)”.
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