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MATO GROSSO

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A mancha

Data: 26/11/2010 13:00

Autor: Ilson Sanches

    O Código Penal Brasileiro em seu artigo 63 conceitua a reincidência criminal da seguinte forma: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. A Lei das Contravenções Penais em seu artigo 7º. assim menciona o conceito: “Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção”. Ao comparar estes dois artigos, diga-se, em situação criminal diferente, um é crime outro é contravenção, observamos que há uma incoerência da lei. Ou seja, é reincidente o agente que comete um crime e depois uma contravenção, ou novamente um crime. Mas, não há reincidência quando da prática de uma contravenção e, após o trânsito em julgado, o mesmo agente venha cometer um crime.
 
    Isto pode até ser visto, pelos olhos dos criminosos, como um estímulo, um encorajamento, pois o seu primeiro passo em direção ao crime, já o leva a cometê-lo por uma impunidade. Assim, como se pode detectar uma brecha na legislação, ou como queira até mesmo uma falha ou mesmo uma possibilidade de se postergar a criminalização e a sentença transitada em julgado, por intermédio de inúmeros recursos existentes, o potencial criminoso constata que ele não precisa ter pressa. Estará, sempre contando em seu favor com uma postergação pela defesa ou até mesmo a impunidade que, talvez um dia lhe premie com uma constante liberdade e freqüente prática do crime,  enriquecendo-se.
 
    Na essência, o objetivo do agente criminoso é sempre a manutenção de sua sobrevivência, até mesmo a sobrevivência minimalista (daí o crime famélico ou mesmo continuado). Ou, até mesmo a acumulação de riqueza, que lhe pode proporcionar a impunidade na prática constante do crime, fazendo dessa prática constante, uma profissão ou um caráter de agir. E acaba desaprendendo de fazer algo mais que não seja crime, ou mesmo contravenção. O “caldo” ou como dizem os químicos, o “cadinho” está pronto.
 
    E, este modelo dá origem até mesmo ao crime organizado ou à constituição de uma sociedade criminosa que passa a ter vida própria. O ensaio-erro é o cotidiano de muitos, e até mesmo cidadãos que nunca pensaram em delinqüir. O volume desta conduta dá origem à sustentação da entidade criminosa, seja pessoa física, coletiva ou jurídica.
 
    Origina-se, o que se denomina de economia subterrânea. A geração e a acumulação de riquezas, que tem como fundamento a atividade ilícita, criminosa ou contraventora, se aceleram com a reincidência. Este sistema autofágico é dinâmico e eficaz, pois os ensinamentos se dão em escolas constituídas pelas reuniões de criminosos, seja em que domínio institucionalizado for.
 
    Esta semente do crime está se espalhando com uma rapidez espantosa e criando uma entidade sócio-cultural que afronta a sociedade cidadã normal. Esta, está se afastando de sua conduta e atividade natural. E está se enclausurando em condomínios fechados, em apartamentos, com cercas elétricas, com vigilâncias legais e ilegais, armadas ou desarmadas, com cães ferozes ou simplesmente alardeadores, com câmeras, ou simples vigilâncias entre as frestas das cortinas, na calada da noite, resultantes da insônia inquietante.
 
    Parece estar se formando uma nova e criminosa sociedade paramilitar, vedada pela constituição em seu artigo 5º, inciso XVII, que, como uma mancha silenciosa e sorrateira, afasta os bons cidadãos do convívio de sua normalidade pessoal, psicológica e profissional. O seu sustentáculo alimentador é o econômico, que mobiliza as vontades de formação de riqueza criminosa e movimenta valores percentuais do PIB entre 10 a 25 ou 30 %. Cabe, daí, uma política nacional de segurança e defesa econômica visando o estrangulamento dessa economia subterrânea que alimenta as condutas ilícitas, sejam elas, crime ou contravenção, para não mais decretar a falência dos atuais sistemas de ressocialização. E não bastam ações pontuais.
 
 
* Ilson Sanches é presidente da Comissão de Defesa da Concorrência e Regulação Econômica advogado e professor universitário.
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