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Afastamento imediato da Súmula 691 do STF: supressão de instância?

Data: 06/04/2011 00:00

Autor: Júlio Medeiros

 

      A Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal - aprovada em Plenário no dia 24 de setembro de 2003 com a notória preocupação de se evitar a chamada “supressão de instância” - exige que o writ tenha o seu mérito apreciado pelas instâncias inferiores antes de se recorrer ao Tribunal Constitucional via habeas corpus. Em singelas palavras, não têm, pois, os Ministros do Supremo (de acordo com o teor da Súmula) o direito de avocar habeas corpus em início de tramitação, em qualquer lugar do Brasil, para lhe examinar o mérito.
 
     Diz a aludida Súmula: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”. Foi aplicando este verbete que a Min. Ellen Gracie indeferiu liminarmente a ordem impetrada em favor do médico Roger Abdelmassih –acusado de autoria de 56 crimes de atentados violentos ao pudor (hoje estupros por mudança legislativa introduzidas pela Lei nº 12.015/09) perpetrados contra 39 mulheres, segundo o Ministério Público, uma vez que o remédio constitucional não havia sido julgado meritorialmente pelo STJ -.
 
      A partir de então,  reavivou-se intensa e acalorada discussão, a partir de um paralelo que pode ser traçado entre o caso do médico e o caso do banqueiro Daniel Dantas, no STF - cuja prisão havia sido fruto das investigações advindas da denominada “Operação Satiagraha”. 
 
      No aludido caso, como se sabe, ocorreram impetrações sucessivas – ou, como preferem alguns, impetrações per saltum – em face de decisões denegatórias de liminar nas instâncias inferiores. É bom que se ressalte, entretanto, que tais impetrações em grande parte das vezes deve-se à demora no julgamento meritório do próprio habeas corpus pela instância inferior.
 
      Destarte, quanto ao caso supra, o banqueiro (em situação similar á do médico) também havia recorrido ao STF sem que seus habeas corpus impetrados nas instâncias inferiores (TRF e STJ) tivessem sido meritoriamente julgados, todavia, o Min.Gilmar Mendes (relator), na oportunidade, afastou o óbice da Súmula 691 do STF para conceder a ordem ao acusado. 
 
      Juridicamente, diversas foram as vozes que se levantaram contra Mendes, alegando suposta “supressão de instâncias”, com fulcro nos argumentos de Wálter Fanganiello Maierovitch, Desembargador aposentado do TJ/SP, insinuando, pois, que o Ministro teria “rasgado a jurisprudência do STF”.
 
      Inicialmente, Mendes concedeu liminar convertendo o HC preventivo em liberatório, revogando a prisão temporária de Daniel e Verônica Dantas. Em seguida, diante da decretação da prisão preventiva de ambos, revogou novamente a ordem do juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, dentro do mesmo processo, haja vista que, em seu entender, o Estado de Direito (distintamente do chamado Estado Policial marcado tanto pelo que chamamos de “processo penal midiático” quanto pelas prisões temporárias decretadas em atacado) viabiliza a preservação das práticas democráticas e, especialmente, o direito de defesa.
 
      Em que pese tudo isso, é oportuno deixar vincado que, em termos de diretriz hermenêutica, a Corte Constitucional  tem abrandado o rigor do referido verbete, sempre em caráter extraordinário, nos casos em que há flagrante ilegalidade (decisões teratológicas) ou abuso de poder, além das hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante da Corte, uma vez que o habeas corpus - de envergadura constitucional -  não sofre qualquer peia além dos limites estipulados pela própria Lei Fundamental. De fato, segundo entendemos, o habeas corpus enquanto ação de direito processual constitucional é o mais eficaz instrumento de atuação da “jurisdição constitucional das liberdades”.
 
      Sobre a gênese da flexibilização da Súmula 691 do STF, aliás, é oportuno destacar que o advogado Alberto Zacharias Toron (em sustentação oral da ordem no Pleno da Suprema Corte) ofereceu proposta de cancelamento da referida Súmula ou, alternativamente, interpretação que, com redução teleológica, implicasse-lhe acrescentar, ao final do enunciado, a expressão: “a menos que a ilegalidade ou o abuso de poder seja flagrante”.
 
      No entanto, hoje nota-se que o STF vem interpretando a referida Súmula com certa flexibilidade, assim como o faz em relação aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em determinados casos concretos; procedendo-se ao seu afastamento hic et nunc ( “aqui e agora”; “imediato”) sempre que necessário, sob pena de se respaldar a denegação da justiça.
 
      O Min. Marco Aurélio, inclusive, quando da concessão de liminar para libertar 20 pessoas que estavam sendo presas em decorrência das investigações realizadas pela “Operação Hurricane”, da Polícia Federal, acenou para a necessidade de se compatibilizar o citado verbete com a Lei Maior, aduzindo que não pode ser levado às últimas consequências o que nele se contém a ponto de, configurado ato ilícito e existindo órgão capaz de apreciá-lo, vir-se simplesmente a dizer da incompetência deste último.
 
      Assim, o fato de alguns Ministros ultrapassarem a súmula de barreira, apreciando em sede liminar pedidos já indeferidos em instâncias inferiores, é plenamente justificável;  uma vez que equivocou-se o Supremo quando elaborou tal verbete - limitando o acesso ao Poder Judiciário – (e violando o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional), tanto é que inverteu-se a lógica da própria súmula, tantas e tamanhas são as nulidades de decretações de prisões pelo Brasil afora.
 
    Quanto à proposição de Alberto Zacharias Toron, se fosse aceita, acabaria confundindo dois planos essenciais do habeas corpus, que é o da admissibilidade e o do conhecimento. Nas palavras do Min. Sepúlveda Pertence, a solução, na teoria, seria contrária à prática e, na prática, revogaria a Súmula. 
 
      Contudo, o certo é que em situações dessa matiz, de flagrante ilegalidade (aptas a afastar a aplicação da Súmula) o acusado nunca deveria ficar no prejuízo, uma vez que esse singelo patamar sempre desafiará a concessão da ordem ex officio pelo magistrado enquanto sujeito suprapartes que é; consagrando, pois, a supremacia do Direito sobre o Império da Lei, em clara decorrência de um nítido esgotamento do clássico modelo positivista.
 
*Júlio Medeiros é advogado criminalista e membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT
Contato: juliodemedeiros@hotmail.com
Página pessoal: www.criminalistanato.blogspot.com
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