Constantes são as ações judiciais ajuizadas contra o DETRAN com alegação de renúncia de propriedade de veículo, muitas pessoas por acreditarem que o comprador realizou a transferência do veículo para seu nome, não se preocupam em realmente certificar se tal ato foi efetivamente concretizado, porém é surpreendido com alguma notificação em sua residência ou quando vai tirar alguma certidão no estado, que seu nome está inscrito em dívida ativa, não sabendo do que se trata, busca os órgãos públicos e descobre que a dívida diz respeito ao veículo que ainda se encontra no seu nome.
Muitas dessas transações ocorreram anos atrás, aquela venda para um “amigo” ou “familiar”, no qual o vendedor acreditou na boa fé, que realmente deve existir em qualquer tipo de negócio, não se formalizou seguindo os ditames legais para garantir a conclusão do negócio, que é a transferência do veículo. Muitas dessas vendas ocorreram com a simples entrega do bem, que no direito Civil chama-se “tradição”, sem a formalização de contrato de compra e venda, muito menos preenchendo o Certificado de Registro de Veículo–CRV, o que garantiria a realização da comunicação de venda.
Diante da inércia por parte do antigo proprietário em realizar as formalidades legais para a concretização da venda, e não sabendo mais o paradeiro do veículo e do seu comprador, aquele recorre a via judicial como um meio de se livrar dos débitos e do veículo que se encontra ainda em seu nome, que muitas das vezes nem está mais circulando, porém continua gerando débitos, ajuizando então uma ação de Renúncia de propriedade.
A “renúncia à propriedade” tem previsão legal no artigo 1.275, inciso II do Código Civil. Muitas pessoas poderiam pensar: como pode uma pessoa não querer um bem, entretanto um bem não há somente bônus, há também ônus, como dívidas, que no caso de veículos temos: IPVA, Licenciamento e Seguro Obrigatório, fora o pagamento de multas se houver.
A pessoa ajuizando a ação de Renúncia de propriedade acredita que não terá mais dívida e nem o bem no seu nome, porém não é bem assim que ocorre. O Código de Trânsito Brasileiro-CTB em seu artigo 120, determina que todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser registrado perante o Órgão Executivo de Trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei, ou seja, todo veículo automotor tem que ter um proprietário registrado. No caso de venda do veículo o Art. 123, § 1° do Código de Trânsito Brasileiro, determina que o antigo proprietário deve fazer a comunicação de venda, ou no cartório (alguns já estão credenciados para tal finalidade, basta consultar no site do DETRAN/MT) ou no próprio DETRAN, sob pena de responsabilização solidária, previsão do art. 134 do CTB.
A comunicação de venda consiste em preencher corretamente o CRV, tanto o proprietário como comprador, tirar uma cópia do documento autenticado e autenticá-la, posteriormente vir no DETRAN ou realizar no próprio cartório, para que se registre no sistema a venda. A comunicação de venda se faz necessário uma vez que o DETRAN não participou da venda do bem, somente sendo informado quando se registra a comunicação de venda.
A comunicação de venda não permite qualquer transação no veículo no sistema do DETRAN, como emissão do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV, sem que se concretize a transferência do bem, e exime o antigo proprietário a partir da comunicação de venda dos débitos que serão vinculados ao veículo, daí se vê há importância de fazê-la.
Diante da necessidade de todo veículo automotor, conforme disposto no art. 120 do CTB, ter um proprietário, o DETRAN fica impossibilitado de simplesmente excluir o nome do proprietário do veículo (a renúncia) sem que haja a indicação de um novo proprietário, o recomendável então nesses casos, é que o pedido nas ações judiciais sejam para que se realize a baixa do veículo, porém sendo necessário a quitação de todos os débitos.
Importa esclarecer por último que poderá o proprietário requerer de forma administrativa a baixa do veículo desde que o veículo conste com mais de 10 anos sem o seu licenciamento e 25 anos de fabricação, com base na Resolução n° 661/2017 do Conselho Nacional de Trânsito-CONTRAN, bastando vir ao DETRAN preencher um formulário e quitar todos os débitos se existente no veículo.
Ademir Soares de Amorim Silva é advogado geral do Detran-MT e membro da Comissão de Trânsito da Ordem do Advogados do Brasil - Seccional Mato Grosso (OAB-MT)