Os impactos da retração econômica iniciada com a calamidade sanitária ocasionada pelo Covid-19 têm obrigado diversos países a instituir moratória para pagamento dos tributos.
No Brasil, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa RFB 1.934/2020 ampliando o prazo final para a apresentação da Declaração Final de Espólio e Declaração de Saída definitiva do País, e também a postergação do recolhimento do imposto.
Em vários estados do país, o Poder Judiciário tem deferido liminares para a suspensão da exigibilidade tributária para a prorrogação do pagamento do tributo devido.
É cediço que em tempos de calamidade pública instalada com o isolamento social obrigatório das pessoas, a grande maioria das empresas tem enfrentado dificuldade em seus negócios e consequentemente na manutenção dos investimentos e empregos gerados.
Neste sentido, o Poder Judiciário tem usado ineditamente no direito tributário a teoria aplicada nos contratos administrativos e licitações públicas, a teoria de Fato de Príncipe.
Largamente utilizada em sede de direito administrativo bem como no direito do trabalho, em suma, o Fato de Príncipe permite a Administração unilateralmente rescindir o contrato para preservar o equilíbrio econômico-financeiro da atividade empresarial.
A Constituição Federal de 1988, como regra normativa superior reza que:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; (destacado)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade; (...) VIII - busca do pleno emprego; (destacado)”.
Com efeito, Fato de Príncipe é o ato da Administração Pública de natureza administrativa ou legislativa que gera a completa impossibilidade de execução do contrato, considerado pela doutrina como espécie do gênero força maior.
Desta forma, para a configuração do Fato de Príncipe, como é o caso da Covid-19, exige que o fato seja inevitável e que haja nexo de causalidade entre a pandemia e a continuidade absoluta da atividade empresarial.
Nestes termos, com assertividade vêm o Poder Judiciário reconhecendo a impossibilidade fática e assim permitindo que o contribuinte postergue o recolhimento do tributo devido para que os direitos fundamentais da livre iniciativa e do trabalho sejam preservados.
*Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de MT, é ex-Conselheiro do Conselho de Contribuintes da Secretaria da Fazenda de Mato Grosso e Vice-Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT.