Não foi à toa que a Constituição Federal Brasileira atribuiu ao direito de descanso status de direito fundamental, visando garantir ao trabalhador usufruir de um espaço de tempo para que se recupere física e psicologicamente do cansaço ocasionado pela rotina laboral. Por tal razão, tanto a doutrina quanto a jurisprudência brasileiras têm entendido, já em consonância com o entendimento de outros países, que este direito é inerente à dignidade da pessoa humana.
Com a “correria” da rotina atual e a facilidade trazida pela revolução tecnológica que nos permite acesso remoto e contato imediato com o trabalho, por muitas vezes embora o trabalhador não esteja no seu local de trabalho, durante o seu período de descanso acaba por estar ligado a ele.
Com a cada vez mais rápida evolução tecnológica, o trabalhador ficou ainda mais próximo do seu labor, ficando sujeito a inúmeras invasões no seu período de descanso, muitas vezes sequer notada, pois acabam por visualizar diversas vezes o e-mail, celular, aplicativos, mensagens, dentre outros meios tecnológicos. Desta forma, o trabalhador termina por não se “desligar” de sua função durante o seu período de descanso, que por consequência fica prejudicado.
Algumas empresas, já pensando nas consequências desta nova dinâmica mundial, já estão utilizando limitadores, não permitindo acesso em grupos de conversa instantânea, e-mails, e sistemas fora do horário laboral, de forma que o próprio sistema não permite o acesso, visando assim a qualidade do período de descanso do trabalhador e o controle do “não acesso”.
Diante desta problemática, surgiu um novo direito, o chamado direito a Desconexão, que nada mais é do que o direito que a Lei conferiu ao trabalhador de poder usufruir de período de descanso, da forma que bem entender, ou seja, sem contato com o seu trabalho/empregador.
Assim, entende-se que durante o período de descanso o trabalhador não deve ter de responder e-mails, telefonemas, mensagens de texto, pois terá o empregado seu direito violado de desvincular-se totalmente do trabalho, conforme preconizado pela legislação trabalhista.
Principalmente a utilização dos smartphones tem permitido ao empregado permanecer ligado ao trabalho de forma integral, contrariando o horário estabelecido no contrato de trabalho, o que trás severos prejuízos físicos e principalmente psíquicos ao trabalhador.
Essa atual realidade ameaça um direito que levou muito tempo para ser conquistado pelos trabalhadores, que é a limitação da jornada de trabalho.
Ainda que a utilização dos meios tecnológicos se dê de forma parcelada nos horários de descanso, em razão da interrupção frequente dos períodos de repouso do trabalhador, ainda que por poucos minutos, pode caracterizar a submissão, em tempo integral, do trabalhador a seu empregador, uma vez que aquela simples conexão o tira do seu relaxamento, trazendo pensamentos e preocupações inerentes à jornada de trabalho, e ainda que não seja a intenção do empregador que o empregado visualize ou realize o “serviço” naquele momento, isso o conecta ao trabalho.
Diante da grandeza do assunto, a França foi o primeiro país a aprovar uma legislação concedendo o direito a Desconexão ao trabalhador, prevendo amparo aos empregados para que não respondam mensagens eletrônicas, e-mail ou telefonemas de seus superiores depois do horário de expediente. A lei fora destinada a empresas com 50 ou mais funcionários e entrou em vigor a partir do dia 1/1/17.
No Brasil ainda não temos uma legislação específica que trata sobre o direito à desconexão do trabalho. No entanto, acreditamos que nosso ordenamento vem se predispondo favoravelmente à regra aprovada pelos franceses. O texto constitucional já garantia o direito ao descanso, e a alteração do artigo 6º da CLT pela Lei 12.511/2011, reforçou a disponibilidade do empregado por meios telemáticos, seja por e-mail, WhatsApp, Telegram ou qualquer outro aplicativo de comunicação remota, configura o trabalho à distância e não se distingue do trabalho realizado no estabelecimento do empregador.
Importante mencionar que, a preocupação do chamado direito a desconexão, são os abusos, visando resguardar os direitos do trabalhador, todavia é necessário esclarecer que o acesso de forma eventual às mensagens do empregador não assegura de fato o excesso de labor, e a violação do direito, sendo sempre necessário o bom senso do empregado e empregador, e numa segunda análise, dos operadores do direito.
É salutar ainda mencionar que, conforme inúmeros estudos demonstram, o excesso de jornada é tido como uma das razões de doenças ocupacionais relacionadas à depressão e ao transtorno de ansiedade, e o fato de o trabalho poder estar conosco a todo o momento e em todo lugar na palma de nossa mão (celulares), contribui e muito para o acometimento destas doenças.
Por se tratar de tema relativamente novo e ainda sem previsão legislativa específica, não temos delimitações exatas em nosso ordenamento acerca de como esse ato se configura, uma vez que são muitas minúcias para configurar ou não horas extras, e até mesmo eventual dano moral.
O que se recomenda a ambos os lados das relações de trabalho é que sejam evitados abusos, ou seja, deve o empregador respeitar os horários de descanso dos seus empregados, fazendo convocações fora do horário de labor somente em situações excepcionais, ainda que eventuais mensagens/e-mails sejam enviadas no intuito de serem lidas apenas no horário do expediente. O tema traz a necessária análise das novas relações e dos limites da urgência na modernidade líquida, retratada por Zigmunt Bauman”.
*Ariádine Grossi é advogada especialista em Direito Processual Civil – Teoria e Prática do Novo CPC, expert em Direito do Consumidor, Direito do Trabalho e Direito Imobiliário e Condominial, membro da Comissão de Direito Imobiliário e secretária-geral adjunta da Comissão de Direito Condominial da OAB-MT.
*Marcelo Ambrósio Cintra é advogado pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho; possui pós graduação em Gestão Pública; pós graduando em Direito Constitucional e Administrativo; é consultor em Compliance, presidente da comissão Anticorrupção e Estudos em Compliance do Instituto dos Advogados de Mato Grosso (Iamat), membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-MT.