Assim como muitas mulheres fiquei empolgada no último mês com a repercussão da Copa do Mundo feminina. Empolgada por saber que pela primeira vez o campeonato foi transmitido em rede nacional pela maior emissora de TV do Brasil, o que possibilitou audiência de mais de cinquenta milhões de brasileiros e brasileiras no jogo da seleção brasileira contra a França.
A transmissão dos jogos em rede aberta me anima não pelos jogos em si, mas pela possibilidade de termos disposto de uma valiosa caixa de ressonância na busca pela equidade de gênero. Transmitir a Copa do Mundo feminina faz com que os jornais tenham que rememorar que até poucos anos atrás as mulheres eram impedidas de jogar futebol. Algo que hoje parece tão trivial, mas que ao deixar a borda rasa nos permite perceber que mesmo o que hoje parece trivial é, na verdade, um pequeno passo da grande maratona das mulheres na busca de espaço.
Isto porque os noticiários acabaram transmitindo matérias reconhecendo que praticamente não temos times de base feminina no Brasil; que mesmo a jogadora mais bem remunerada do mundo, ganha 227 vezes MENOS que Neymar; que mesmo com MUITA raça e dedicação a seleção feminina não terá a mesma oportunidade que a masculina se não houver investimento semelhante ao feito nos times masculinos.
Ter cinquenta milhões de telespectadores e estádios lotados nos jogos da Copa do Mundo feminina faz surgir oportunidades para que mulheres de fibra possam ser ouvidas e nesta hora precisamos de mulheres fortes, com bravura e determinação, que realmente possam aproveitar o momento para tornar públicas mazelas que, por normalmente vivermos apenas na parte rasa, muitas vezes acreditamos que estão superadas, que são “mimimi das meninas”, mas que de fato NÃO SÃO!
Obvio que em um mês não mudamos o mundo, mas um mês com parte dos meios de comunicação tratando do tema, foi o ponto final para obrigar os clubes que participam da série A do Campeonato Brasileiro a manter times de base e adulto femininos em funcionamento.
A Copa deu voz a Ada Hegerber, a primeira mulher em 20 anos a ganhar uma Bola de Ouro, eleita melhor jogadora dos anos de 2017 e 2019, atual campeã da Champion's League feminina por quatro anos consecutivos que se recusou a jogar a Copa, mesmo em sua melhor forma, para reforçar o recado de que ser homem ou mulher não deveria retirar-lhe a possibilidade de ganhar de forma condizente com o trabalho prestado; assim como deu voz a capitã do time dos Estados Unidos, Megan Rapinoe, que publicamente manifestou seu inconformismo com as desigualdades perpetradas por um dos homens mais poderosos do mundo.
Fiquei empolgada em ver, ao longo do mês, que nós mulheres, que vivemos no interior ou na capital, que somos advogadas, dentistas, enfermeiras, médicas, mães, donas de casa, enfim, todas nós, que diariamente cumulamos incontáveis funções, hoje, temos certeza que em todos os cantos do mundo existem outras de nós, que tem dificuldades semelhantes, mas ainda assim se erguem e têm voz ativa, ainda que isso lhes custe a melhor chance da carreira, lhes acarrete consequências difíceis ou tenham que falar chorando de emoção pra serem ouvidas.
Não é fraqueza, é nossa essência! É isso que nos faz somar com os homens ao invés de brigar para tomar espaço. Precisamos compreender isso, homens e mulheres. Não é “mimimi”, está abaixo da parte rasa. Está na impressão que fica após o atendimento em razão da roupa ou do cabelo, está no fato de termos que ser melhores para, normalmente ter, no máximo, o mesmo resultado.
A maratona é longa, copa do mundo feminina de novo só daqui a quatro anos. Não podemos deixar de falar sobre isso sob pena de passarmos ainda muitas páginas da história no raso: eles dizem que não são machistas, nós pensamos que estamos empoderadas, mas na verdade, eles nos deixam decidir até onde não conflite com os interesses próprios, ganham 227 vezes mais, ocupam os cargos de destaque, dão a última palavra, pensam que ajudar em casa é o mesmo que ter a responsabilidade com a casa e ainda nos matam por sermos mulheres.
Mais que um jogo, cinquenta milhões de pessoas puderam ver a mulher que foi seis vezes melhor do mundo, que fez mais gols em Copas do Mundo que qualquer homem, a atacante Marta, deixar o recado que então me deixou alerta; do campo para a vida: não podemos acreditar que sempre vamos ter uma mulher puxando a fila, se dedicando mais, representando mais, brigando mais.. nossa hora já chegou. E se não nos esforçarmos desde já, talvez quando for impreterível, se eu ou você não tivermos empatia, sororidade e coragem para puxar a fila, talvez o resultado do jogo seja chorar ao invés de sorrir quando o árbitro apontar o meio de campo.
*Xênia Artmann Guerra é advogada inscrita na Subseção de Sinop (MT), vice-presidente da CAA/MT e membro da Comissão de Direito da Mulher da OAB-MT