No dia 5 de junho foi publicada a Lei nº 13.838/2019, que, acrescentando o § 13º ao art. 176 da Lei de Registros Públicos (LRP), prevê a dispensa da anuência dos confrontantes na averbação do georreferenciamento de imóvel rural.
Proposto pelo então deputado federal por Tocantins Irajá Abreu – hoje senador da república –, o então projeto de lei tramitou sem maiores percalços pelo Congresso Nacional, e sua sanção tem sido festejada como grande avanço na desburocratização do procedimento.
Porém, análise mais cuidadosa sobre a anunciada mudança revela que de fato nada foi modificado. É oportuno contextualizar a situação.
Com o advento da Lei nº 10.267 em 2001, foram inseridos os parágrafos 3º e 4º no artigo 176 da LRP, instituindo-se a necessidade de averbação do georreferenciamento nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e transferência de imóvel rural.
Desde então, seja nessa inovação legislativa, seja no Decreto que regulamentou o procedimento (Decreto nº 4.449/2002), em regra nunca houve a exigência de apresentação das “cartas de anuência” dos confrontantes, para que se efetivasse a averbação.
Essa é uma confusão que merece ser esclarecida: a demonstração da anuência dos vizinhos não é inerente ao georreferenciamento rural. Ela é necessária nos casos em que haja alteração no registro do imóvel quando há modificação em alguma medida perimetral dele. É o que estabelecem o artigo 213, II, da LRP, e o artigo 9º, parágrafos 5º e 6º, do Decreto nº 4.449/2002.
Acontece que, na prática registral, verifica-se na quase totalidade dos trabalhos relacionados ao geo que, após o trabalho de agrimensura, é praticamente inevitável a alteração sobretudo da área do imóvel, considerando a imprecisão das medições realizadas antigamente, em cotejo com as atuais, rigorosas, obtidas por meio de coordenadas geográficas.
Daí a falsa impressão de que as “cartas de anuência” são imprescindíveis ao georreferenciamento rural.
A Lei nº 13.838, sancionada na semana passada, tem alvo específico. Estabelece que, na identificação do imóvel rural prevista nos parágrafos 3º e 4º do artigo 176 (LRP), é dispensada a concordância dos vizinhos. No entanto, nesses dispositivos legais já não havia tal exigência, de forma que o novo diploma legal apenas explicita o que já se sabia, inocuamente.
O ponto central é que a aparente inovação legislativa em nada alterou a necessidade das cartas de anuência quando há alteração nas medições perimetrais do imóvel (art. 213, II, da LRP), o que ocorre, na prática, na grande maioria dos casos.
Relevando a aparente boa intenção desburocratizante, o fato é que a nova lei, submetida a crivo sistemático mínimo, não reflete o anunciado intuito a que se propôs e, ao menos em análise incipiente, ainda bem! Segurança jurídica não combina com aparência.
* Thiago Stuchi Reis de Oliveira é advogado em Mato Grosso