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Herança de Pessoa Viva e o Mau Agouro

Data: 11/09/2018 14:59

Autor: *Gisele Nascimento

    Existem variadas formas de parasitismo na natureza, que pode ser resumido como a ação de um ser vivo que se associa a outro para dele se alimentar e viver, a exemplo do carrapato, que suga o sangue do hospedeiro, que pode ser um cachorro, um boi, dentre outros animais.

    O parasita pode ser definido como um aproveitador, e aproveitador é tipicamente o caso do pássaro chamado Chupim, que tem o hábito de colocar seus ovos nos ninhos de outras espécies para que essas o choquem e alimentem seus filhotes, num processo conhecido como parasitismo de ninhos. Por isso, em algumas regiões do Brasil popularizou-se o termo “chupim” como sinônimo de pessoa que se aproveita abusivamente de outras. Monteiro Lobato publicou em 1919 a obra Cidades Mortas, que contém “O romance do Chopim”, o caso do homem que vivia à custa do trabalho da esposa professora.

    O Direito não se coaduna com aproveitadores, com os que se utilizam de má-fé para obterem vantagem pessoal, com os que se enriquecem de forma indevida, enfim.

    Em regra, o Direito protege direitos, a partir da contrapartida de deveres e obrigações. Toda vez que alguém tiver dúvida do seu direito, basta verificar onde está o direito do outro, porque sempre deverá existir um dever de respeito ao direito alheio, que funciona como um limite, um freio para todos os demais componentes do meio social.

    Na verdade, sendo o Direito um “produto” representativo do progresso histórico da evolução da sociedade, caminha lado a lado com preceitos de ordem moral, se bem que nem tudo que é legal, é necessariamente condizente com a moral, pois nas “casas de leis” (como o Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras de vereadores) há um agrupamento muito diversificado de legisladores(as), cada um deles com formação bem diversa no campo dos valores morais.   

    E o que isso tem a ver com herança de pessoa viva?

    É que a lei proíbe a herança de pessoa viva, ou seja, não se pode fazer uma dívida ou um contrato prevendo pagamento com herança de pessoa viva, o que se denomina de pacto sucessório ou pacto corvina.

    Herança pressupõe a ocorrência do fato morte. Desta forma, pessoa viva não tem propriamente herança, tem patrimônio. E pode fazer o que quiser com esse patrimônio, enquanto estiver vivo.

    Há inúmeras referências à figura do pássaro chamado corvo (pacto corvina), que costuma ser associado ao mau agouro, como registrado na literatura de Augusto dos Anjos (poema “Asa de Corvo”).

    Desejar a “herança” (patrimônio) de quem ainda está vivo traduz, no fundo, mau agouro (de morte breve) e parasitismo, que não condiz com a conduta de pessoa do bem, porque o sucesso financeiro ou patrimonial deve ser consequência do trabalho.

    A herança deve ser vista como justo repasse aos herdeiros, do resultado do trabalho de uma vida inteira do falecido, porém, no contexto do que trata este artigo, traduz-se como recurso dos fracos, dos parasitas, dos insensíveis. 

    O trabalho faz parte das necessidades humanas, porque complementa um dos mais expressivos aspectos da personalidade, no mínimo, no que diz respeito a “sentir-se útil”, de não ser um entrave, um estorvo familiar e social.

    A realização (psicológica e social) do homem moderno vincula-se de forma muito significativa ao trabalho por ele executado, que consiste, a um só tempo, fator de sobrevivência, de humanização e integração social, de auto-estima e de utilidade, para a família e para a sociedade.

    Parece difícil (para não dizer impossível) de o homem se sentir pleno em sua existência sem referência ao trabalho, nas variadas formas em que este se apresenta, quer como rotina burocrática, quer como experiência inovadora, quer como expressão da arte, do lúdico etc.

    Dentro deste contexto, deve ser lembrado o que estabelece o art. 426 do Código Civil, que diz: “Art. 426 – Não pode ser objeto de contrato herança de pessoa viva.”

    Desta forma, os filhos e demais herdeiros não possuem direito aos bens dos pais ainda vivos, mas mera expectativa.

    Além disso, a experiência tem mostrado que a melhor herança que os pais podem deixar para os filhos é o patrimônio moral, consistente em valores de dignidade, de respeito às variadas formas de vida no planeta, de solidariedade, de ética no convívio social. Uma vida pautada pelo amor e caridade.

  *Gisele Nascimento é advogada em Mato Grosso

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