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Pá de cal

Data: 16/01/2012 15:00

Autor: Haroldo Leite Bandeira de Mello

imgOuvi e li durante longo e tenebroso inverno, quantidade incomensurável de “opiniões” acerca do assunto “criminalidade, suas origens e soluções”.

Advindas das mais variadas origens, desde leigos até abalizados operadores do Direito, em especial aqueles que lidam mais especificamente com o tema, tais como delegados e promotores de Justiça. Cada qual com sua sentença.
 
Opiniões que variam desde “soltemos todos” (parece-nos mais com intuito de promover Ibope de programas policiais de gosto e credibilidade duvidosos), até a “pena de morte” (dos céticos cuja lei do menor esforço é seu guia).
 
Dessa forma, depois de ouvir e ler essa enxurrada de “opiniões”, afinal a Constituição Federal faculta-nos a livre manifestação do pensamento, resolvi expor a minha, vez que não é melhor nem pior do que a de ninguém, talvez seja somente mais uma! Oxalá possa servir para reflexão, o que já estaria de bom tamanho. 
 
Quando o Leviatã apareceu (e não me refiro ao bíblico) avocou a responsabilidade de distribuir Justiça, abandonando, assim, Talião.
 
Na idade média havia o “suplício”, ou seja, além da pena de morte o condenado precisava enfrentar a tortura ante mortem. Não nos parece tenha essa experiência humana, surtido qualquer efeito, tendo em vista os índices criminais altos que enfrentamos em todo o mundo, não só em nosso país.
 
Países como os Estados Unidos enfrentam alarmantes índices de criminalidade em todos seus Estados, mormente naqueles que possuem pena de morte, como por exemplo, os da Califórnia e Flórida, muito conhecidos pelos nossos compatriotas que por lá costumam excursionar em férias.   
 
Pensar que a mera hipótese de pena, conforme previsto no Art. 59 do Código Penal Brasileiro irá, sozinha, andante como o cavaleiro idealizado por Cervantes, resolver por opressão as idéias de ilícito que brotam nas mentes doentes de alguns de nossos cidadãos, é mais uma quimera!
 
Há séculos estamos tentando dessa forma e qual o resultado? Os crimes vêm evoluindo em escala industrial, e tudo com a tal “prevenção e repressão” preconizada no artigo retro citado. E vem evoluindo de tal forma que necessitamos de legislação especial (e até classificação especial: hedionda), tentando, puerilmente, fazer frente ao avassalador tsunami criminal.
 
Perseverar somente neste caminho, por não termos a magnanimidade de reconhecer nossa rota de colisão com os interesses maiores de uma sociedade dita civilizada, é condenar a nós mesmos a viver cada dia mais em gaiolas de ouro, por não termos mais tranqüilidade ao sair de casa. 
 
Quem tiver condições que faça seus empréstimos consignados para blindar seus importados! Mas daqui a pouco haverá de surgir o projétil que perfurará a eles também! E agora José?
 
Continuar nesse caminho, por não ter a humildade encontrada nos grandes homens de nossa humanidade, de orientar a nau perdida para outro ponto cardeal é, não só covardia, como irresponsabilidade.
 
Penas cada vez mais severas já revelaram serem insuficientes para impedir, reprimir e prevenir crimes! Exemplo irrefutável disso é a criação de novo tipo penal (art. 217-A do CP) através da lei 12.015/2009 que prevê o crime de “estupro de vulnerável”, tentando proteger menores de 14 anos e pessoas portadoras de necessidades especiais de natureza mental, cuja pena foi aumentada para mínimo de 08(oito) anos, além de ser considerado crime de natureza hedionda, com todo o consectário que isso acarreta quanto às garantias individuais.
 
Apesar dessa tentativa aparentemente louvável do legislador, nunca houve neste país tantos crimes de pedofilia como se acompanha atualmente! Destarte, pergunta-se: onde a solução pela tipificação?
 
Demonstrada está a falência desse pensamento retrógrado e superado, que toma o ser humano somente como objeto de sanção corporal, e não como ser holístico que é, necessitado de outras atenções tais como trabalho, dignidade mínima ( o mínimo ético tão festejado hoje!), educação (sem a qual o homem transforma-se em massa de manobra e se iguala aos animais), e tantas outras garantias fundamentais constitucionais, que ao que vemos não passam de “falácias programáticas”. Parece ser mais fácil fuzilar e cobrar a bala da família!
 
O que fazer?
 
Quem sabe possamos requerer a esses mesmos operadores do Direito, constitucionalmente com a missão de defender a sociedade, que dêem mais atenção aos maus gestores públicos que desviam milhões para contas particulares em paraísos fiscais, e vivem a repetir: Não fui eu! Não sei de nada!
 
Ao invés de postar opiniões que não acrescentam em nada ao deslinde do caos em que nos encontramos, muito ao contrário, só incita a massa ao ódio e à vingança através da exigência de penas mais severas, dediquemo-nos mais à sociedade, arregaçando as mangas e lavando a ferida, ao invés de querer amputar o membro doente.
 
Não nos esqueçamos que antes de ‘estarem’ criminosos, são membros desta sociedade, e que se estão doentes, cabe a nós ditos sãos, ajudar a curar. Afinal ELE não veio para os sãos e sim para os que precisam de médico, ajudemo-lo, eis nossa sagrada missão.
 
Tratar dos desiguais, igualmente, é demonstração de incompetência e injustiça.
 
SUUM CUIQUE TRIBUERE é dar a cada membro da sociedade na qual vige essa máxima, a oportunidade de ter aquilo que tem direito pelo simples fato de pertencer a essa sociedade, dita humana.     
 
Sejamos, pois, seremos humanos integrais, ajudando os irmãos que necessitam, antes que eles estejam à nossa porta com uma arma.
 
 
*  HAROLDO LEITE BANDEIRA DE MELLO (OAB/MT 7541) é advogado e pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Mato Grosso.
 
 
 
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