Qual terá sido o mais vultoso escândalo de desvio de recursos públicos no Brasil?
Alguns dirão que foi o Mensalão, outros, que foi o que rola na Lava Jato, e ainda haverá os que vão citar o escândalo do BNDES.
Mas qual dos vários escândalos do BNDES? O da concessão de recursos financeiros nacionais para construção de portos localizados em países que contam ou contavam com a simpatia do presidente da República da época, ou o dos recursos do BNDES para financiar, a juros microscópicos e com carência mui amiga, os empreendimentos da, não por acaso, maior operadora de proteína animal do mundo, que atende pelo nome JBS?
Gostaria de tratar da probidade, tecer elogios a algumas pessoas públicas nacionais, porém receio que faltaria leitor interessado nas duas linhas que, talvez, então digitaria.
Na escassez de notícia sobre probidade na atual conjuntura brasileira, tratarei acerca do tema oposto. Falarei sobre improbidade na condução da coisa pública, a tão utópica república, cuja consolidação fica, a cada dia, mais prejudicada pela arraigada cultura patrimonialista brasileira que, infelizmente, ainda trata coisa pública como se fosse particular.
É evidente que a conduta do agente público precisa ser condizente com a natureza da coisa com a qual trabalha, no aspecto de que não é dele a coisa, mas de todos. Daí, a legítimo significado da palavra república.
A Lei nº 8.429/92 define três tipos de improbidade (arts. 9º, 10 e 11): a que significa enriquecimento ilícito, a que acarreta dano ao patrimônio público e a que fere princípios da administração pública.
A Lei Complementar nº 64/90, que foi alterada pela Lei da Ficha Limpa, estabelece vários comportamentos e situações que fazem com que a pessoa fique inelegível e duas delas se referem à prática de improbidade administrativa, uma relativa à rejeição de contas, para os agentes públicos que tenham administrado recursos públicos, e a outra por condenação pela Justiça por ato doloso de improbidade administrativa que gere dano ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Sobre essa última modalidade, o entendimento atual do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é que somente fica inelegível o candidato que tenha sido condenado pelas duas hipóteses ao mesmo tempo, ou seja, precisa ter ocorrido dano ao erário e também enriquecimento ilícito, o que parece um grande equívoco, porque a lei precisa ser interpretada segundo a Constituição e esta não faz essa distinção quando exige probidade e moralidade.
Ainda que o texto da lei complementar exija uma coisa e outra ao mesmo tempo, isso parece não atender à exigência constitucional contida no art. 14, § 9º, da Constituição, que desde 1988 estabelece que lei complementar especificaria outros casos de inelegibilidade (além dos que já constavam da Constituição), para a finalidade de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições, e desde 1994, em acréscimo à exigência anterior, determinou que lei complementar definiria tais casos de inelegibilidade a fim de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato.
Ora, não pode haver uma única lesão ao erário que já não constitua improbidade, se a conduta foi dolosa, isto é, se houve intenção do agente público, isto é, segundo entendimento da Justiça (jurisprudência), se o agente público não observou as cautelas que devia saber que são obrigatórias para o exercício de qualquer cargo público.
De igual modo, não pode haver um único ato do homem público, nesta condição, que implique enriquecimento ilícito que já não signifique improbidade também.
Felizmente, o TSE já sinalizou, ainda que timidamente, que poderia rever o posicionamento quanto à exigência dos dois requisitos juntos, para efeito de declarar algum candidato inelegível.
Por último, penso que a Lei das Inelegibilidades (LC nº 64/90) não foi fiel à Constituição quando deixou de fora das causas de inelegibilidade a violação dos princípios da administração pública, porque tais princípios estão explícitos no art. 37 da CF/88, e obviamente não podem deixar de ser observados por aqueles que gerenciam a coisa pública.
Lembrando lição que aprendemos em casa: não existe “meio honesto”, ou se é honesto, ou não se é.
*Gisele Nascimento é advogada, especialista em Direito Civil e Processo Civil e pós-graduanda em Direito do Consumidor e mMembro da Comissão de Direito da Mulher OAB-MT.