Há algumas semanas os jornais vêm se ocupando de notícias sobre foro privilegiado. Mas, o que é isso?
Foro (a pronúncia é com “o” fechado – “fôro”) pode ser definido, de forma simplificada como sinônimo de jurisdição, isto é, o nome que se dá ao tribunal (ou melhor, juízo) que tem competência legal para julgar um determinado tipo de ação.
Já foro por prerrogativa de função é o nome técnico do que se costuma chamar foro privilegiado, e significa a previsão legal para que determinadas autoridades públicas sejam julgadas por um tribunal específico, caso cometam algum crime comum, de forma a evitar, por exemplo, o constrangimento do Presidente da República vir a ser julgado por um juiz de primeiro grau, que, em princípio, não tem a vasta experiência de um Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta hipótese, a Constituição Federal determina que nos crimes comuns é de competência do STF o julgamento do Presidente da República, seu Vice, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, exceto nos crimes de responsabilidades, que são os de natureza político administrativa, definidos no art. 85 da Constituição e na Lei nº 1.079/50.
O objetivo maior do foro por prerrogativa de função, como o próprio nome sugere, é proteger a elevada função pública que o detentor do cargo exerce, e não a pessoa que o ocupa.
Ocorre que a ideia original quando da formulação deste tipo de prerrogativa acabou se ampliando tanto que hoje milhares de agentes públicos no Brasil possuem previsão legal de julgamento por tribunais, desde tribunais de justiça dos Estados (TJs), tribunais regionais federais (TRFs), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) o que acaba por inviabilizar, em boa parte dos processos, o julgamento dessas autoridades, pois, numericamente, há muito mais juízes de primeiro grau do que desembargadores nos tribunais de justiça e, menos ainda, ministros nos tribunais superiores.
Traduzindo: há milhares de autoridades para serem julgadas por alguns poucos magistrados dos tribunais, o que significa um gargalo absurdo, que impossibilita o cumprimento de prazos para julgamento. Na prática, grande parte dos crimes eventualmente praticados por agentes públicos de altos cargos prescrevem, ou seja, não são julgados no prazo máximo previsto na lei.
Em poucas palavras: o foro privilegiado, como realmente merece ser chamado em muitos casos, é verdadeiro estímulo à impunidade, enfraquecendo o princípio constitucional da igualdade (isonomia), que deveria existir entre todos os cidadãos.
Essa situação conduziu ao atual quadro de aparente enfrentamento de opiniões entre ministros do STF e membros do Congresso Nacional.
Tramita no STF a Ação Penal nº 937, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, que recentemente votou no sentido de limitar o alcance do foro privilegiado aos crimes praticados durante o exercício da função pública, desde que relacionados com ela, no que foi acompanhado por outros três ministros que votaram em idêntico sentido, enquanto no Congresso tramitam doze Propostas de Emenda à Constituição (PEC), que objetivam alterar o atual quadro relacionado com o foro privilegiado, mas cuja tramitação não evolui, talvez porque, se houver sua restrição, muitos deputados e senadores estariam sujeitos ao crivo do juiz Sérgio Moro.
Será que os nobres congressistas estão dispostos a encará-lo, ou preferem a prescrição dos crimes pelos quais são investigados?
*Gisele Nascimento é advogada, especialista em Direito Civil e Processo Civil, pós-graduanda em Direito do Consumidor e membro da Comissão de Direito da Mulher OAB-MT.