Recebi uma mensagem elogiando aquelas mulheres "incansáveis", que chegam em casa após mais um dia estressante de trabalho e corre pra cozinha pra preparar o lanche dos filhos para o dia seguinte; deixar a mesa posta para o café da manhã; lavar a louça; depois se apressa para molhar o jardim; tirar o lixo; colocar comida pro cachorro; estender toalhas molhadas que encontra pela casa; colocar as roupas sujas na máquina; pregar o botão e passar a camisa do marido. Relata a mensagem que durante todo esse tempo o marido figurou como expectator, ABSOLUTAMENTE INDIFERENTE ao cansaço de sua esposa e à sobrecarga de trabalhos domésticos. Fiquei pensando: o que essa mulher está ensinando aos seus filhos sobre solidariedade, cooperação, compaixão?!!! E quanto ao marido, o que ele aprendeu sobre esses valores se nem mesmo em sua relação familiar consegue aplicá-los?!!! Interessante que a mensagem de autoria de Carlos Drumond de Andrade termina assim: "Existem muitos motivos para não se amar uma pessoa, mas apenas um para amá-la."
Fiquei me perguntando: então é assim?!!! A mulher só tem valor se puder reproduzir? Servir até o limite de sua exaustão? Pedir ajuda para realizar atividades simples é demérito ou lição de companheirismo e solidariedade ? Realizar todas atividades da casa sozinha é ser mesmo mulher-maravilha ou é uma falha grave no exercício de seu papel de mãe e esposa?
Particularmente sinto muita pena de mulheres assim: se permitem ser exploradas, vivem sob intenso estresse, se subjugam, abdicam de viver a própria vida para viver a dos outros ... tudo na expectativa de um dia serem reconhecidas como super heroínas! Não raro esse reconhecimento nunca chega !
Vejo mulheres com 2 e até 3 filhos no salão de beleza aos fins de semana porque o marido foi jogar bola com os amigos e confraternizar pra aliviar o estresse e manter seu espaço, sua individualidade, sua vida social ! À mulher NADA; aos homens toda a dedicação, mesmo que isso importe prejuízo à sua saúde psicológica. Aos maridos o happy hour; às mulheres, a rotina do trabalho, os afazeres domésticos, o cuidado com os filhos e a resignação ... para nem mencionar o sexo não consentido !
É bom esclarecer que não existe apenas a violência física, mas a moral, a doméstica (que causa diminuação da auto estima), a econômica e a sexual (vide Lei n. 11.340/2006).
Por essas razões sonho com mulheres mais guerreiras e menos subjugadas; mais destemidas e menos inseguras de perder o "amor" de um filho ou de seu parceiro simplesmente por decidir que também têm o direito de viver e se realizar como lhes aprouver!
Sonho com o dia que as mulheres sejam respeitadas por serem elas mesmas, idealizadoras de seus próprios sonhos e projetos que seus filhos e maridos a ajudaram a realizar.
Sonho com o dia que essas mulheres tirem a fantasia de mulher-maravilha e vistam seus ternos, saiam a campo com suas pranchetas, pilotem aviões, liderem reunião com executivos ... Para mim isso é ser mulher na essência: se realizar pessoal e profissionalmente, jamais permitindo que o sexo seja pretexto para serem exploradas. Na narrativa do texto, por exemplo, não é possível que o marido não seja capaz de tirar o lixo, pôr a mesa do café da manhã e alimentar o cachorro. Dividir as tarefas do lar na medida da capacidade de cada um executar. Simples e muito saudável!
Infelizmente as próprias mulheres alimentam o machismo: permitindo-se serem exploradas, por insegurança, por não terem coragem de lutar por sua independência financeira, dentre outras razões. Mas é sempre bom lembrar que o amor desinteressado, puro, incondicional, não é abusivo ou egoísta, antes transige, cede, para trazer equilíbrio aos relacionamentos.
Para mim se dedicar não é o mesmo que se anular! Ser mãe é diferente de ser escrava de caprichos! Ser esposa é estar ao lado para apoiar, não renunciar de viver a própria vida!
Uma aula de canto, de dança, de crochê, um serviço voluntário, estudar, não importa: a mulher na verdadeira acepção da palavra luta por seu espaço, por sua satisfação! Nessa perspectiva, cuidar da casa e dos filhos também tá valendo, desde que essa seja a expressão livre de sua vontade e não imposição sutil (ou nem tão sutil assim!) de seu "Senhorio".
De nada adianta o sistema de cotas e todo o arcabouço de legislação protetiva das diversas formas de discriminação e violência se a mulher, ela própria, insiste em protagonizar o papel de vítima e faz do machismo a desculpa perfeita para não sair de sua zona de conforto e ir atrás de seus sonhos (repita-se: qualquer que seja ele!).
O fato é que as próprias mulheres recriminam aquelas que fogem do padrão social "bela, recatada e do lar"! E enquanto essa realidade perdurar o machismo tende a se perpetuar.
Finalizo com as palavras de Simone de Beauvoir: "O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos".
Por um 8 de Março de mais reflexão para nós
*Luciana Póvoas é advogada em Cuiabá e vice-presidente da Comissão de Direito Civil e Processo Civil da OAB-MT