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O problema da memória jurídica

Data: 25/02/2016 16:00

Autor: Rodrigo Palomares Maiolino de Mendonça

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I. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
 
Estudar as relações de consumo nos remete a uma análise perfunctória de alguns acontecimentos históricos que corroboraram para transformações sociais de uma maneira ímpar, não só em nosso país, mas, também, em todo o globo terrestre.
 
Assim sendo, por não ser o objeto primordial deste trabalho, tomarei a liberdade de iniciar o antecedente histórico das relações de consumo a partir da tão importante e rompedora de paradigmas; Revolução Francesa!
 
No século XIX, os franceses tiveram a ruptura com o sistema monárquico absolutista através da Revolução Francesa que tinha como ideal as bases ideológicas e filosóficas Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
 
Pois bem, sem se darem conta e de forma profética os franceses corroboraram para a sequência da era dos direitos, ou, gerações dos direitos segundo o renomado doutrinador Norberto Bobbio.
 
Neste norte, de forma cirúrgica, didaticamente falando, Leonardo de Medeiros Garcia, explica a dimensão dos direitos fundamentais, inclusive os identificando-os, sendo eles:
 
• “Direitos Fundamentais de 1ª Geração: a primeira geração de direitos fundamentais dominou o século XIX e diz respeito às liberdades públicas e aos direitos civis e políticos, correspondendo aos direitos de liberdade. Tais direitos têm como titular o indivíduo e se apresentam como direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. Postulou-se nesta época, a não intervenção do Estado”.
 
Apenas para maior elucidação, é necessário observamos que a Revolução Francesa, e, em especial a Primeira Geração dos Direitos Fundamentais – Estado Liberal ocorreram primeiro na ordem cronológica das gerações em comento, tendo em vista a necessidade da livre iniciativa libertar-se das amarras do Monarca Absolutista que de certa forma representava o poder público naquela época, ou seja, antes de o sê-lo fracionado pela tripartição dos poderes.
 
Insta consignar ainda, que a sociedade burguesa necessitava da aludida liberdade para que pudesse garantir sua primordial fonte de riqueza, a propriedade privada, logo, não havia mais espaço para que tudo fosse do Monarca Absolutista, aí é que surge umas das bases fundamentais para que a sociedade se visse livre das vicissitudes que o sistema monárquico absolutista lhes impunha.
 
Outrossim, soma-se a isto, as altas taxas de impostos recolhidos pelo reino sem que houvessem a necessária contrapartida para seus cidadão, como por exemplo: saneamento básico, agua potável, comida, vestimentas, etc., porém, o cidadão assistia a banquetes, luxo e orgias entre os nobres lato sensu.
 
Logo, resta plausível a necessidade de que a sociedade se liberte deste mau gestor público e para que isso ocorra há necessidade de ser livre de sua intervenção, fazendo eclodir o absolutismo do princípio pacta sunt servanda, ou seja, que o contrato faz lei entre as partes.
 
Exemplificando: hipoteticamente, se as partes firmassem um contrato de compra e venda de um determinado produto, cujo preço e forma de pagamento fora parcelado. O vendedor redigia uma cláusula de multa por inadimplemento equivalente a 100 (cem) vezes o valor do produto objeto contratual. Havendo o inadimplemento, caberia apenas ao Estado, executar o contrato por provocação do vendedor e em hipótese alguma proceder com a revisão do mesmo, cabendo ao inadimplente o pagamento in totum da aludida multa.
 
Percebe-se assim, que o Estado era de certa maneira considerado uma ameaça a livre iniciativa e assim sendo não era autorizado a intervir de forma ativa nestas relações, autuando como os administrativistas dizem como “guarda noturno” em estado de vigia apenas.
 
Ultrapassado o tempo da liberdade, vieram os Direitos Fundamentais de 2ª Geração, que nos dizeres de Leonardo de Medeiros Garcia são:
 
• “Direitos Fundamentais de 2ª Geração: a partir do século XIX, após a Revolução Industrial europeia, marcada pelas péssimas condições de trabalho, houve a necessidade de se privilegiar os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade. Para que a igualdade se concretizasse, ao contrário do defendido na 1ª Geração, era necessária maior participação do Estado, face ao reconhecimento de sua função social, através de prestações positivas, que visassem o bem-estar do indivíduo”.
 
Aludido entendimento também foi identificado pelo doutrinador Georges, RIPERT, que assinala, pois, que “a liberdade não basta para assegurar a igualdade, pois os mais fortes depressa se tornam opressores, cabendo ao Estado intervir para proteger os mais fracos. ”
 
Outrossim, paralelamente a esta desigualdade material emergida da Revolução Industrial, houve também o crescimento demasiado da população nas metrópoles, aumentando e muito a demanda e consequentemente o aumento da oferta.
 
Neste norte, foi-se criada a produção em série, ou para alguns “standartização” da produção, ou seja, a homogeneização da produção industrial.
 
Visando elucida-lo ainda mais, significa investir um milhão na criação, execução e produção em um determinado produto e replica-lo um milhão de vezes para que seu preço final seja apenas um, sendo atrativo e possível sua aquisição pelo consumidor final, e, obviamente depois replica-lo milhões e milhões de vezes auferindo lucros exorbitantes.
 
Assim sendo, Rizzatto Nunes, ensina que “Este modelo de produção é um modelo que deu certo; veio crescendo na passagem do século XIX para o século XX; a partir da Primeira Guerra Mundial houve um incremento na produção, que se solidificou e cresceu em níveis extraordinários a partir da Segunda Guerra Mundial com o surgimento da tecnologia de ponta, do fortalecimento da informática, do incremento das telecomunicações, etc.”
 
Ademais, o Professor Miguel Reale (1984:320-321) asseverou que o “Estado, deve sempre ter em vista o interesse geral dos súditos, deve ser sempre uma síntese dos interesses tantos dos indivíduos como dos grupos particulares”.
 
Logo, para que a produção em série “standartização” pudesse dar certo, necessário foi o desenvolvimento da produção em larga escala de contratos, para que pudessem dar a devida vazão as ofertas demandadas.
 
Neste diapasão, surgem os contratos de adesão e obviamente com eles as cláusulas gerais e consequentemente os abusos de direito e a cristalina identificação da mais nova classe de vulneráveis identificados no universo fatídico, a dos consumidores.
 
Por estas razões, entre outras, a sociedade se viu obrigada a novamente outorgar para o Estado (antigo monarca absolutista) o papel de poder intervir nas relações massificadas para tentar ao menos diminuir a diferença existencial entre os polos da aludida relação consumerista.
 
Destarte, foi pautado nos ensinamentos aristotélicos de isonomia que se fundamentou o retorno do papel ativo do Estado como ator indispensável para o equilíbrio nas relações de consumo, dentre tantas outras que eclodiram aquela época, podendo ser citada as relações de trabalho.
 
Outrossim, após esta geração de direitos fundamentais, percebeu-se, após o advento da Segunda Guerra Mundial, que o Estado precisava ir além do que garantir a igualdade entre os polos das relações, era necessário garantir a humanidade existente nelas.
 
Assim sendo, eclodiu-se, mediante forte comoção mundial pós-guerra a necessidade de outorga para o Estado o dever de tutelar o próprio gênero humano, ou seja, sua dignidade.
Neste sentido, concluindo o raciocínio o professor Leonardo de Medeiros Garcia, finaliza ensinado:
 
• Direitos Fundamentais de 3ª Geração: no final do século XX, período marcado por profundas mudanças na comunidade internacional e na sociedade (contratação em massa, crescente desenvolvimento tecnológico e científico), com a finalidade de tutelar o próprio gênero humano, surgiram os direitos considerados transindividuais, direitos de pessoas consideradas coletivamente. São os direitos de fraternidade, de solidariedade, como o direito ao meio ambiente equilibrado, à proteção dos consumidores, etc.”
 
Neste norte e com o espírito fraternal entre as nações e os seres humanos, em 1962 o presidente norte americano John Kennedy, no congresso daquele país, anunciou a necessidade de proteção do consumidor, referindo-se como direitos basilares deste ser o direito á segurança, o direito a informação, o direito de escolha e o direito a ser ouvido.
 
Finalizou o Excelso Presidente com célebre frase: “Todos nós somos consumidores”.
 
Pegando carona a este celebre momento, não poderia faltar a subsunção deste raciocínio com o do impar pensador Adam Smith, que em seu tratado estabeleceu os princípios da economia de mercado competitivo:
 
“O consumo é o único fim e propósito de toda a produção; e o interesse do produtor deve ser atendido até o ponto, apenas, em que seja necessário para promover o do consumidor: A máxima é tão perfeitamente evidente por si mesma, que seria absurdo tentar prova-la (...). No sistema mercantilista, o interesse do consumidor é quase que constantemente sacrificado pelo do produtor; e ele parece considerar a produção, e não o consumo, como o fim ultimo e objeto de toda a indústria e comércio.”
 
Após a retro mencionada declaração presidencial norte americana, proliferou-se por todo o globo terrestre a produção de códigos, constituições e legislações extravagantes que regulamentavam os direitos consumeristas.
 
Assim sendo, a ONU, em 1985, por intermédio da Resolução 39/248, de 16 de abril, estabeleceu e regulou regras quanto a necessidade de proteção dos consumidores em face do desequilíbrio das suas relações com os fornecedores.
 
Outrossim, no Brasil, tais direitos foram inseridos de forma tardia, porém quando inseridos tornaram-se referência internacional sendo copiados por diversos países.
 
Em 1988, a Constituição Federal, previu em sua ADCT, mais precisamente em seu artigo 48, previu expressamente a formulação do Código de Defesa do Consumidor, garantindo-se assim status constitucional.
 
Ademais, o princípio constitucional da defesa do consumidor está estatuído como princípio básico da ordem econômica nacional (artigo 170, V), bem como direito fundamental (artigo 5º, XXXII), garantindo-se assim uma norma de ordem pública de aplicabilidade vertical, para tudo e para todos, sem exceção!
 
 
Rodrigo Palomares Maiolino de Mendonça é advogado e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OABMT
 
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