Publicada há mais de um ano e vigente desde 29 de janeiro, a Lei 12.846/13, que trata da responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas por atos praticados contra a Administração Pública (nacional ou estrangeira) e que vem sendo chamada de Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, possui potencial para transformar-se em uma das mais importantes armas para a redução da impunidade no país.
A finalidade da lei é penalizar empresas corruptoras, seja por meio do pagamento de pesadas multas na esfera administrativa, em valores que podem chegar a até 20% do seu faturamento bruto atual, seja pela possibilidade, via judicial, da suspensão de suas atividades ou, até mesmo, de sua dissolução compulsória, entre outros aspectos.
Mas entre a finalidade abstrata da norma e sua aplicação concreta, verifica-se considerável distância. Embora a sua aprovação tenha ido ao encontro do esforço internacional de promoção da integridade na relação entre os setores público e privado, sua operacionalização carece de uma adequada regulamentação, que assegure maior segurança jurídica e elimine controvérsias que atualmente pairam no meio jurídico.
Como já dito, o esforço histórico em prol da aprovação da Lei Anticorrupção não se restringe às contingências internas do Brasil, mas remonta ao fato de que, dos 40 países signatários da Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra o suborno transnacional, apenas três não possuíam leis para responsabilizar as empresas que praticassem tal conduta — e o Brasil era um deles. Os Estados Unidos já possuem a sua há mais de 35 anos.
Porém, tornar a lei uma realidade será um grande desafio para a administração pública brasileira, principalmente para os estados e municípios de menor porte, que, em muitos casos, carecem de uma estrutura administrativa adequada.
Sua aplicação exigirá competência, zelo, lisura, agilidade e, principalmente, transparência dos processos de apuração de responsabilidades. O alto valor das multas dará enorme poder aos órgãos encarregados da condução de tais procedimentos, que poderão, inclusive, se transformar em novas fontes de extorsão e de desvio de dinheiro público caso não sejam estabelecidos mecanismos de controle adequados.
Do ponto de vista das empresas, os efeitos da nova lei para tornar mais íntegra a sua relação com o setor público são incomensuráveis. A corrupção tem efeitos extremamente danosos, prejudicando o desenvolvimento econômico e social, reduzindo o nível de novos investimentos e tornando a concorrência desleal, entre outros aspectos igualmente negativos.
A chamada “responsabilidade objetiva”, prevista na lei, permitirá a responsabilização das empresas independentemente da existência de dolo (intenção) ou culpa, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre a ação ou omissão da empresa e a sua consequência, consubstanciada pelo ato lesivo praticado contra a administração pública.
Com efeito, a antiga desculpa de que o ato de corrupção foi um fato isolado, praticado por funcionário de baixo escalão e desconhecido pela alta cúpula da empresa não mais terá utilidade para eximi-la de sua responsabilidade administrativa e civil perante o poder público. Assim, qualquer pessoa jurídica que cometer atos lesivos previstos na lei (por exemplo, pagando propina a agente público para deixar de recolher tributos, mesmo que por meio de terceiros), será responsabilizada.
Não se trata, portanto, de entender a lei como mais um ônus imposto às empresas brasileiras, já sufocadas por uma enxurrada de exigências legais e tributárias. Mas de reconhecer que a luta contra a corrupção, por razões óbvias, não pode estar limitada ao setor público e que as empresas também deverão instituir procedimentos eficazes para coibir práticas irregulares.
A responsabilidade objetiva prevista na lei caso sejam apurados atos irregulares e ilícitos decorre do risco assumido pela empresa de não conseguir se desincumbir do aludido dever bilateral de prestar contas. Sem isso, ela não pode ser liberada das suas obrigações contratuais, nem tampouco pode ter atestada a sua aptidão de receber do Estado o quanto lhe é devido.
Nesse sentido, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, além da aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, são instrumentos desejáveis, embora não suficientes, de comprovação de boa-fé na relação entre a empresa e o Estado.
É esse o ciclo virtuoso da corresponsabilidade que a Lei Anticorrupção busca fomentar. Afinal de contas, nunca é demais lembrar a velha máxima: "tão ladrão é o que rouba a horta como o que fica à porta".
Élida Graziane Pinto é procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e doutora em Direito Administrativo pela UFMG.
Mário Vinícius Spinelli é Controlador Geral do município de São Paulo, mestre em Administração Pública pela FJP-MG e ex-Secretário de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União.