A figura dos processos de recuperação de empresas, seja judicial ou extrajudicial, está cada vez mais presente no dia a dia dos brasileiros – ou, pelo menos, não é algo tão inédito assim para a maioria das pessoas. Os grandes veículos de comunicação frequentemente reportam notícias sobre uma nova empresa que entrou em recuperação, ou ainda um grupo que ajuizou uma ação de reestruturação, buscando uma forma de superar suas dificuldades financeiras.
Esse tema tem se aproximado de forma crescente da realidade dos cidadãos comuns, por afetar não apenas as empresas, mas também os consumidores, os fornecedores, os funcionários, os credores e a sociedade como um todo. Provavelmente, a popularização do assunto tem como causa o aumento exponencial do número de ações de recuperação em 2023, e um dos fatores que pode explicar esse crescimento é a chamada demanda reprimida, observada nos últimos anos.
É provável que esse fenômeno tenha relação com o fato de que a pandemia da Covid-19 de certa forma ajudou a retardar alguns processos de recuperação empresarial. Não fosse ela, muitas das empresas que ajuizaram ações neste ano teriam dado início a uma ação de reestruturação bem antes, em 2020, 2021, ou ainda em 2022. Ou seja, elas já estavam em crise antes da pandemia ou entraram no início dela.
O que ocorreu foi que, durante esse período, devido às medidas de combate à crise que incluíram incentivos econômicos, como a liberação de verbas e o adiamento de impostos, e a contenção dos agentes econômicos, que evitaram a cobrança judicial dos créditos, optando por outros meios, as empresas em crise adiaram a iniciativa de uma reestruturação, deixando-a para um momento posterior.
Nessa perspectiva, viemos de um cenário de uma demanda reprimida – até mesmo com baixos índices de processos de reestruturação no início da pandemia – mas que agora em 2023 transbordou, resultando em um número recorde de processos de recuperação empresarial.
A tendência é que esse cenário se mantenha em 2024, uma vez que essa demanda reprimida não foi totalmente esvaziada, com muitas empresas que ainda precisam se reestruturar para sobreviver. Aliado a isso, temos o fato de que determinados setores da economia enfrentam crises específicas, que podem agravar a situação. Um exemplo disso é o agronegócio, que sofreu com os impactos negativos das alterações climáticas e teve sua produção e rentabilidade afetadas, gerando crises circunstanciais e, consequentemente, a necessidade de reestruturação da atividade empresarial rural.
Por isso, é possível afirmar que vamos caminhar para um movimento de culturalização da reestruturação empresarial na sociedade brasileira, que se tornará cada vez mais comum e familiar para os cidadãos comuns, que passarão a conviver com essa realidade e a se adaptar a ela.
Contudo, outra questão que se apresentará mais à frente é a efetividade da reforma da Lei de Recuperação de Empresas, ocorrida no final do ano de 2020. Ela será testada e avaliada como instrumento de recuperação da empresa em crise.
Diante de todo o contexto, além da postura proba, será necessária também uma atitude colaborativa entre os players envolvidos no processo de recuperação – operadores de direito, empresários, agentes econômicos, entre outros – com o objetivo de buscar sempre a preservação das empresas recuperáveis e a liquidação das irrecuperáveis.
Breno Miranda é advogado e administrador judicial, presidente do Instituto Brasileiro da Insolvência (Ibajud), sócio da EXL Administração Judicial, especialista em Direito Processual Civil e Direito Empresarial, com ênfase em Recuperação Judicial e Falência, pós-graduado em Direito Ambiental pela Fundação Escola do MPE-MT, mestrando em Direito Comercial pela PUC-SP, ex-conselheiro estadual da OAB-MT e atual presidente da Comissão de Falência e Recuperação Judicial da OAB-MT.