A redação original do § 3º do art. 24 da Constituição é esta: “Os membros da Mesa e seus respectivos substitutos serão eleitos para um mandato de dois anos, proibida a reeleição para os mesmos cargos. (Redação original)”. Ou seja, o poder constituinte originário Mato-Grossense proibia a reeleição para os mesmos cargos da Mesa Diretora da ALMT.
A Constituição Estadual foi promulgada em 05 de outubro de 1989 e, de lá para cá, o § 3º do Art. 24 sofreu três (3) Emendas Constitucionais, a saber: (i) primeira “Os membros da Mesa e seus respectivos substitutos serão eleitos para um mandato de 02 (dois) anos, na forma estabelecida pelo Regimento Interno da Assembleia Legislativa, permitida a recondução.” (Redação dada pela EC n° 63, D.O. 22.08.2012); (ii) segunda “Os membros da Mesa e seus respectivos substitutos serão eleitos para um mandato de 02 (dois) anos, na forma estabelecida pelo Regimento Interno da Assembleia Legislativa, sendo vedada a recondução para qualquer cargo da Mesa Diretora na eleição imediatamente subsequente, do Presidente e Primeiro Secretário, dentro da mesma legislatura.” (Redação dada pela EC n° 100, D.O. 01.10.2021); e, a (iii) terceira e última Emenda, “Os membros da Mesa e seus respectivos substitutos serão eleitos para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.” (Redação dada pela EC nº 108, D.O. 18.01.2023).
A Petição Inicial (nº 18867) que deu origem a ADI 6.674 (MT) aportou no Supremo Tribunal Federal em 12/02/2021, aduzindo, em síntese, que o art. 24, § 3º, da Constituição do Estado do Mato Grosso, com a redação conferida pela Emenda a Constituição Estadual 63/2012, permitia apenas uma recondução para o mesmo cargo aos representantes da Mesa da Assembleia Legislativa, e que, “ocorreram sucessivas reconduções para o cargo de Presidente da Assembleia Legislativa, já no período compreendido entre 2009 e 2014, e, no momento, o Deputado Estadual Eduardo Botelho foi eleito e empossado para o exercício de um terceiro mandato consecutivo como Presidente da Casa Legislativa, após cumprido mandato nos biênios 2017-2018 e 2019-2020.”.
O requerente, “sustenta que a possibilidade de reconduções sucessivas e ilimitadas atentaria contra os princípios republicano, democrático e da igualdade, bem como contra a regra constante do art. 57, § 4º, da Constituição Federal, a qual entende aplicável aos Estados-membros, vedando a recondução para o mesmo cargo da Mesa Diretora na eleição subsequente. Salienta que, apesar dessa CORTE possuir precedentes contrários à extensão aos Estados da vedação do art. 57, § 4º, da CF, os mesmos foram editados sem a apreciação das violações ora suscitadas. E tampouco teriam firmado a possibilidade de reeleições sucessivas e ilimitadas.”.
Pois bem, em 22/02/2021 foi deferida pelo Relator a liminar vindicada: “Determino, ainda, a realização subsequente e imediata de nova eleição para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, biênio 2021/2022, vedada a posse de parlamentares que compuseram a Mesa nos biênios 2017/2018 e 2019/2020, nos mesmos cargos.”.
Ocorre que, após marchas e contra marchas do processo, em 23 de fevereiro de 2022, o próprio Relator revogou a liminar, assim: "(...) Em vista do exposto, REVOGO A DECISÃO CAUTELAR proferida nos presentes autos (doc. 33) e restauro a eficácia da eleição realizada pela Assembleia Legislativa na Sessão Ordinária de 10/6/2020, para composição da Mesa Diretora no biênio 2021-2022, com a consequente RECONDUÇÃO IMEDIATA de seus membros aos cargos antes ocupados, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA PRESENTE AÇÃO DIRETA. Comunique-se IMEDIATAMENTE a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, para ciência e IMEDIATO cumprimento desta decisão. Publique-se.".
Com efeito, o atual Presidente da ALMT exerceu formalmente a presidência da Mesa Diretora no período de 2021/2023, em razão de uma interpretação acerca de modulação de efeitos extraído da ADI 6.524: pois “o limite de uma única reeleição ou recondução, acima veiculado, deve orientar a formação da Mesa da Assembleia Legislativa no período posterior à data de publicação do acórdão da ADI 6.524, de modo que não serão consideradas, para fins de inelegibilidade, as composições eleitas antes de 06.04.2021”. E, considerando que a vedação à terceira recondução ao cargo deveria ser efetivamente contada a partir de 06/04/2021 (termo inicial), foi possível um novo mandato ao atual Presidente, que se iniciou em fevereiro deste ano (2023).
Ocorre que, no dia 17/03/2023, o relator da ADI 6674 proferiu seu voto em sessão virtual, cuja decisão pode assim ser resumida: “[...] Não há como entender presentes razões de segurança jurídica e interesse social no prolongamento injustificado do cenário de inconstitucionalidade apontado pelo Plenário da CORTE, a ponto de se admitir a investidura em um novo mandato – no caso, de um quarto mandato consecutivo – após a declaração de que a recondução além do segundo mandato é inconstitucional. Quando muito, seria admissível a continuidade e conclusão dos mandatos já iniciados (biênio 2019-2020). Atribuir efeitos prospectivos ao entendimento da CORTE, nesse contexto, equivale a esvaziar o alcance da interpretação conforme a Constituição atribuída às normas estaduais sobre a matéria.”.
O Min. Alexandre de Moraes arremata o voto assim: “Diante de todo o exposto, julgo PROCEDENTES as Ações Diretas, para FIXAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO ao art. 24, § 3º, da Constituição do Estado de Mato Grosso, bem como ao art. 12, § 1º, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa, no sentido de POSSIBILITAR UMA ÚNICA REELEIÇÃO SUCESSIVA AOS MESMOS CARGOS DA MESA DIRETORA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MATO GROSSO, independentemente da legislatura, estabelecido como marco temporal para a eficácia dessa declaração a data da publicação da ata de julgamento da ADI 6524, qual seja, 8/1/2021, vedada a posse em novo mandato, após essa data, se o parlamentar já estiver no exercício de um segundo mandato consecutivo. É o voto”.
Enfim, desconsiderando se dentro ou não de mesma legislatura, vedou a posse de um novo mandado na Presidência da ALMT, se após 8/1/2021 o parlamentar estiver no exercício de um segundo mantado consecutivo na Mesa Diretora da ALMT.
No caso, o atual Presidente exerceu formalmente a presidência do Parlamento estadual durante os quatro (4) anos da 19º legislatura, desde a sua primeira sessão (01/02/2019 – 11/01/2020); em verdade, está em seu quarto mandato consecutivo como Presidente da ALMT, presidindo-a, ininterruptamente, desde a terceira sessão legislativa (01/02/2017 – 31/01/2018) da 18° Legislatura.
Em suma, se confirmada vitória do voto do Min. Alexandre de Moraes ante qualquer divergência, pode ser chamada uma nova eleição para Presidência da ALMT, anulando-se a última, ao final do julgamento da ADI 6.674 (MT). Ocorre que o imbróglio não acaba aqui, porque o Ministro em seu relatório e voto levou em conta a redação do § 3º do art. 24 da Constituição Estadual que estava vigente quando lhe foi apresentada petição inicial (Emenda n° 63), e sobre ela fixou a interpretação conforme a Constituição Federal.
Todavia, é a redação da EC nº 108 que segue em vigência agora – “§ 3º Os membros da Mesa e seus respectivos substitutos serão eleitos para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.” –, isso desde o dia 18 de janeiro de 2023.
Tanto pior seria para o atual Presidente essa última redação, se não fosse ela solenemente ignorada, como foi na última eleição da Mesa da ALMT, que transcorreu sem lhe observar o comando (Por quê?); porquanto, em tese, está vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, sem a necessidade de interpretação conforme a constituição do artigo 54, parágrafo 4º, da Constituição Federal (§ 3º do art. 24 – redação da EC 108).
Permitiria a última redação constitucional a dobradinha Presidente e 1º Secretário, indefinidamente, dependendo da interpretação dada no futuro? A boa-fé se presume, a má-fé jamais, mas quer parecer que as últimas alterações do § 3º do art. 24 da ALMT não só tem potencial para tumultuar ainda mais o tramitar da ADI 6.674 MT, como emprestam fôlego para o exercício indevido de mandatos sucessivos em cargos da Mesa Diretora, não dando chance aos demais deputados.
Seria prudente e intelectualmente honesto, não tanto ao autor da ação mais à Procuradoria da ALMT, informar incontinente ao Senhor Ministro Relator qual é a redação do § 3º do art. 24 da Constituição de Mato Grosso em vigência para evitar a movimentação errática do aparelho judiciário estatal, afastando assim maiores dissabores em razão de omissões.
Por fim, oportuno, ao Procurador Geral de Justiça, um olhar fiscal sobre todas as Emendas feitas ao § 3º do art. 24 da Constituição Estadual, no cotejo com a vontade do constituinte originário e a interpretação conforme a constituição empreendida pelo STF ao § 4° do Art. 57 da Constituição Federal.
* Diogo Egidio Sachs é advogado e Secretário-adjunto da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT.