É bem verdade que o direito vem aumentando suas áreas de atuação, e entre elas observa-se o Direito dos Animais, ultrapassando a seara criminal com a Lei de combate aos maus-tratos, mas também ganhando corpo nas áreas cíveis, em situações cotidianas como a guarda do animal em casos de divórcios, estabelecimento de pensão para o animal, regulamentações regimentais em condomínio e reparações civis ao animal em casos de comprovação de maus-tratos.
Não obstante, voltando-se a atenção a edição e promulgação da Lei Federal de nº 14.064/2020, a qual foi denominada de Lei Sansão em homenagem ao cão que foi cruelmente agredido e teve as patas traseiras decepadas com facão, o direito dos
animais voltou ao palco e ganhou mais espaço nas mesas e debates jurídicos perante a sociedade.
A Lei trata de uma alteração na já existente Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98, assim a modificação prevê o agravamento da pena àquele que comete maus-tratos contra cães e gatos, visto que são as espécies mais comuns e vulneráveis a crueldade humana.
Contudo, o referido dispositivo legal não inova ao assegurar aos bichos direitos de não serem submetidos a maus-tratos ou a qualquer tipo de agressão física e psicológica, visto que antes mesmo desse agravamento de sanção, já havia uma Declaração Universal dos Direitos dos Animais, aprovada pela ONU e pela UNESCO, em 1977, composta por 14 artigos, a qual já garantia que todo ser humano deve respeitar os animais, subtraindo dele o “direito” de exterminar ou explorar qualquer espécie.
Em outras palavras, nenhum animal deve ser submetido a maus-tratos e nem privado da liberdade, tampouco explorado para qualquer fim, sendo-lhe garantido o direito à alimentação e repouso, ou seja, uma vida digna, contudo, na prática, infelizmente, estar-se longe se garantir isso aos animais.
E muito embora a superveniência do referido texto legal confira maior sanção aos infratores dos direitos dos animais, indicativo de um passo a diante em direção aos avanços ao resguardo dos direitos dos animais, no ano passado, o Estado Mato Grosso registrou inúmeros casos de violência e abandono (1), o que denota o desconhecimento da garantia de seus direitos ou flagrante descaso em relação ao texto legal pela população A realidade de inúmeros cães e felinos é de abandono – vale frisar que o abandono também é uma forma de maus-tratos -, ou então, casos de maus-tratos propriamente dito, seja dentro de casa, ou nas ruas.
Embora o abandono de animais seja o de maior índice, não é o único problema de causa animal de expressividade perante a sociedade, tampouco detém baixa complexidade para ser exterminado e enfim se garantir a dignidade aos animais, aliás a realidade se traduz bem diversa, há diversos animais explorados e submetidos a inúmeras agressões físicas e psicológicas, quando não mantidos em gaiolas, cativeiros ou severamente condicionados a integrarem rinhas, espetáculos, ou indevidamente explorados para procriação e comércio.
Não se pode distanciar dos casos em que indústrias incidem em submeter os animais a experimentos e testes, causando-lhes sérias debilidades quando não o próprio óbito dando ensejo ao movimento Cruelty-Free que significa “livre de crueldade”, adepto pelas empresas que defendem a segurança dos animais como forma de garantir que nenhum deles seja cobaia durante os testes dos produtos.
Não obstante todas essas situações, é inegável que de todas as incidências contra os animais, o abandono ainda é o mais próximo aos nossos olhos. Basta um olhar mais atento às calçadas e terrenos baldios para logo se observar as formações de colônias de animais formadas pelo abandono e descaso da própria administração pública. Animais anêmicos, doentes, machucados largados a própria sorte, muitos ainda submetidos a agressões por muitos “como forma de espantá-lo da localidade”.
Enfim, o problema, de forma a garantir a dignidade dos animais, não se revela de difícil solução, bastando apenas implementação de algumas medidas coletivas – inciativa de particulares em conjunto a administração pública municipal/estadual - a depender dos limites de suas competências a fim de conferir a aplicabilidade da Lei.
Fato é que não basta a implementação de Delegacias Especializadas com pessoas preparadas para atuar nos casos de denúncias ou flagrantes de maus-tratos, garantindo que estes que os autores do crime sejam criminalmente responsabilizados, mas também que haja criação de ambientes de amparo para receber os animais submetidos a crueldades e vitimados onde possam receber o tratamento necessário para o restabelecimento da sua saúde, assim como a imprescindibilidade da criação de um
programa para reinserção desses animais em lares por meio de adoções responsáveis, criando-se assim, um sistema fluido.
Além disso, é necessário a criação de Leis que não só regulamentem a criação, mas obriguem os municípios a manterem Diretorias de Bem Estar Animal atuantes e eficazes, com prestação de atendimento laboratorial e atendimentos gratuitos para os animais de tutores considerados pobres na forma da lei.
Inclui-se a isso a criação de hospitais veterinários públicos para atendimentos de animais em geral, como já existe em outros Estados, demandando maior investimento e gasto orçamentário- estes dois últimos garantirá atendimento básico de saúde e
cuidados aos animais, lhes atribuindo a dignidade em vida.
De outro lado, vislumbra-se nesse primeiro momento como forma de controle e opção menos onerosa ao ente público a adoção de ações efetivas como a castração social, pois se revela eficaz para o controle populacional de animais em
situação de rua, contribuindo para controle de zoonoses, diminuição do número de abandono e a propagação de doenças entre os animais.
Outro ponto bastante anímico, é a de programas sociais de conscientização e campanhas de combate a leishmaniose – a falta de acesso ao conhecimento sobre a doença e sobre suas formas de prevenção – principalmente em bairros periféricos os quais apontam maior incidência da doença não somente em animais como também a própria população.
As medidas aqui dispostas são um start a conferir num primeiro momento a eficácia do direito constitucional e aplicação à dignidade dos animais, contudo, o tema é recente e deverá ser melhor explorado a partir da devida atenção e importância de todos.
Como se vê, há muito que se explorar no âmbito do direito dos animais, contudo, é nítida a existência dos primeiros passos da administração pública e maior interesse da sociedade [seja por particulares individuais ou por criação de ONGs] em direção a causa animal, e embora ainda se esteja muito longe de se alcançar o patamar necessário em relação a evolução da consciência voltada à necessidade de se garantir dignidade aos animais, é certo que parte deles, com toda sorte, já são reconhecidos como integrantes da família face o processo de humanização os quais se encontram envoltos por uma vida digna e repleta de amor.
1 https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2023/02/07/em-mt-mais-de-160-casos-de-maus-tratoscontra-animais-foram-registrados-em-2022.ghtml
* Ana Laura Lindorfer é advogada especialista em ciências criminais e especialista em direito civil e processual civil e sua interdisciplinariedade
* Carla Fahima é advogada, especialista em prática processual civil, pós-graduanda em direito animal e prática jus animalista e Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB/MT