O tema em estudo enfoca a questão da guarda de crianças e adolescentes após uma dissolução de sociedade conjugal. Durante o tempo em que a família permanece afetiva e fisicamente unida, é inegável que os filhos desfrutam igualmente de ambos os genitores.
Com a ruptura da relação conjugal surge à família monoparental e a autoridade, anteriormente exercida pelo pai e pela mãe, geralmente se concentra em apenas um dos genitores, restando ao outro a função secundária como visitas, alimentos e fiscalização.
Recentemente, o caso da morte do menino Henry chocou o Brasil. Seus pais se separaram e a mãe começou um novo relacionamento. No entanto, no dia em que o pai foi entregar a criança após o período de visita, o menino se recusou claramente a voltar para a casa da mãe, o que levantou questões como: o pai podia ter se recusado a entregar a criança para a mãe? Mesmo que a mãe detenha da guarda unilateral e o pai o direito aos dias de visita, se a criança não quiser, ela é obrigada a ficar?
Para responder essas perguntas, que na época geraram muitos questionamentos, vale esclarecer sobre o dispositivo da Guarda Compartilhada. A Lei nº. 11.698 de agosto de 2008 estabeleceu o estatuto da Guarda Compartilhada, que passou a integrar o Sistema Jurídico, terminando com o reinado de anos da guarda unilateral.
Na guarda compartilhada, as obrigações, ou seja, os direitos e deveres em relação aos filhos são divididos entre pai e mãe. Ambos os genitores detêm a guarda, mas um possui a residência fixa dos filhos e o outro tem direito a visitas, dividindo em conjunto questões relativas à saúde, educação e lazer dos filhos.
A guarda compartilhada é geralmente determinada por consenso entre os pais. Mas, não havendo acordo entre os genitores, ela será determinada pelo juiz, desde que ambos estejam aptos ao exercício do poder familiar.
Uma vez determinada a guarda compartilhada, o genitor que não morar com o filho terá direito de visita, assim como possui o direito e a obrigação de fiscalizar a educação, saúde, bem-estar e integridade física da criança.
Agora, voltamos à questão apresentada neste artigo. E quando um filho se recusa a visitar ou permanecer com um dos genitores, o que fazer? O que o Direito de Família estabelece com relação a essa recusa?
Pois bem, mesmo que as visitas tenham sido determinadas por meio de uma decisão judicial que estipula os dias de visitação, o filho que não quer ficar com o pai ou a mãe não é obrigado a fazê-lo.
Porém, é importante tentar entender os motivos dessa recusa e buscar resolver o problema através do diálogo, procurando compreender o contexto que leva a criança a se recusar a ficar com um dos genitores. Essa investigação é fundamental, pois, ao mesmo tempo que pode ser um caso de trauma vivenciado pela separação, onde a criança acaba sofrendo todas as mágoas e complicações do divórcio, podem ocorrer também casos graves de maus-tratos, abusos e outras violações, como foi o caso do menino Henry.
Portanto, nos primeiros indícios de desconfiança por maus-tratos, abusos ou outros tipos de violência, é preciso recorrer à Justiça, que investigará a situação para determinar o melhor interesse para o menor.
Importante destacar que essa recusa em ficar com o outro genitor tem que ser genuína, ou seja, um genitor não pode induzir a criança a não ficar com o outro simplesmente por vingança, usando a criança como moeda de troca, pois essas condutas incorrem em CRIME na prática de alienação parental, e quem as pratica pode até mesmo perder a guarda do filho.
Independente de qual seja a família em que a criança ou adolescente estão inseridas, os mesmos têm o direito de se sentirem protegidos, confortados, respeitados em seus direitos fundamentais e essenciais à sua formação como ser humano. Por isso, não podem ser tratados como objetos na disputa por pais ou familiares, nem tão pouco vivenciarem conflitos que podem acarretar em transtornos psicológicos irreversíveis em suas vidas.
Sendo assim, mesmo que as visitas tenham sido determinadas por meio de decisão judicial, se o seu filho se recusar a visitar um dos genitores não pode ser obrigado a fazê-lo. Porém, baseado na proteção integral da criança, é dever dos pais buscar entender os motivos dessa recusa e, caso ocorra indícios de maus-tratos ou violações de direitos, é fundamental procurar a Justiça.
Amores chegam ao fim, casais se separam, filhos têm que aprender a conviver com a ruptura dos laços que mantinham os pais unidos, mas cabe aos genitores o dever da proteção integral das crianças e adolescentes, zelando e fiscalizando pela educação, saúde, lazer e cuidados aos quais eles têm direito.
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*Tatiane Barros Ramalho é advogada, presidente da Comissão de Infância e Juventude da OAB – MT e da Comissão de Infância da Associação Brasileira dos Advogados (ABA/MT), além de membro da Comissão Nacional de Infância e Juventude do Conselho Federal da OAB.