Você, síndico ou morador, já parou para analisar se o seu condomínio confere acessibilidade a portadores de deficiência física ou pessoas com mobilidade reduzida?
O tema é de relevância, tanto no aspecto social e inclusivo, quanto no aspecto de proteção e análise de riscos. Ademais, o direito de ir e vir livremente é uma das garantias fundamentais da pessoa humana previstas na Constituição Federal, que inclui a todos independentemente de sua condição física ou mental.
Da mesma forma, o estatuto da pessoa com deficiência (Lei 13.146/2015) garante o direito à acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida e portadoras de deficiência, primando pela independência destas e pelos direitos de cidadania e inclusão social, vejamos:
“Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:
I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;”
“Art. 53. A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social.”
O condomínio precisa olhar não só para questões estruturais, como a existência de vagas especiais e rampas de acesso, mas cumprir uma série de critérios e normas técnicas de segurança (ABNT- NBR 9050) para dar amplo acesso e participação aos eventos sociais e áreas de lazer a toda comunidade condominial, incluindo os portadores de deficiência.
Tais dificuldades também acometem os idosos que, com o passar dos anos, perdem mobilidade e agilidade, sendo necessário que o condomínio se preocupe com a iluminação das áreas comuns, demarcação de degraus, sinalizações, etc., tudo isso visando um ambiente seguro para que possam manter suas atividades com independência, além de promover a interação entre todos.
Os condomínios mais novos, em razão da legislação, costumam estar adequados às normas de acessibilidade, e se assim não estiver, a construtora tem o dever legal de adequá-lo, devendo o síndico assim requerer.
Por outro lado, se o seu condomínio for mais antigo, provavelmente ele não estará adequado e os problemas podem ser ainda maiores, pois questões estruturais podem impedir a correta adequação, sendo necessária a contratação de análise técnica e especializada para adaptações. O que não pode é a comunidade local fechar os olhos para esta sensível questão.
Por ser um dever legal a acessibilidade nos condomínios, não raras são as decisões que os condenam a indenizar portadores de necessidades especiais, vejamos alguns exemplos:
“EMENTA APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DANOS MORAIS – CONDOMÍNIO EDILÍCIO – MORADORAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA – AUSÊNCIA DE ACESSIBILIDADE – DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VAGAS DE GARAGEM – DILAÇÃO DE PRAZO PARA REALIZAÇÃO DAS OBRAS NO LOCAL - O Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê que as regras de acessibilidade se aplicam às edificações já existentes – rampa de acesso, porta de vidro, rebaixamento dos interfones, vagas de garagem; - Dano moral configurado: negligência da síndica e do condomínio para com as autoras, pois mesmo após pedidos de auxílio e mudanças internas, as medidas não foram feitas, além de ter sido negado auxílio dos funcionários; - Dilação do prazo para realização das obras na garagem do condomínio. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJ-SP 10218477620168260003 SP 1021847-76.2016.8.26.0003, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 28/02/2018, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/03/2018).”
“PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LITISPENDÊNCIA. PRECLUSÃO. ELEVADORES DO CONDOMÍNIO EM DESACORDO COM A LEI DE ACESSIBILIDADE. DEMORA NA ADOÇÃO DE MEDIDAS CABÍVEIS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS EXPERIMENTADOS POR MORADORA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS. CADEIRANTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Opera-se a preclusão consumativa quando o tema litispendência já foi discutido e solucionado em agravo de instrumento cujo acórdão transitou em julgado. 2. A responsabilidade civil pressupõe a existência dos seguintes elementos: conduta lesiva, resultado danoso e nexo causal entre ambos. 3. Comprovado nos autos os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, deve a ré indenizar a autora pelos danos morais sofridos em decorrência das dificuldades enfrentadas por ausência da acessibilidade no edifício onde reside. 4. Apelação conhecida e não provida. Unânime. (TJ-DF 07217176220178070001 DF 0721717-62.2017.8.07.0001, Relator: FÁTIMA RAFAEL, Data de Julgamento: 20/04/2021, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 04/05/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.).”
A não adequação dos condomínios causa extremo prejuízo moral aos necessitados, que se sentem não incluídos no ambiente do seu próprio lar, impactando na saúde da população idosa e portadora de necessidades especiais, além de gerar prejuízo financeiro e reputacional à massa condominial.
Para o seu condomínio se adequar não é necessária a aprovação da obra por assembleia, por se tratar de obrigatoriedade prevista em lei. No entanto, a assembleia deverá ser convocada para explanação sobre as necessidades legais, apresentação de orçamentos e rateio das despesas.
Enquanto as obras não são finalizadas e a acessibilidade não é amplamente garantida, é importante que o síndico oriente a todos os colaboradores do condomínio para que prestem auxílio aos necessitados (idosos, deficientes visuais, deficientes físicos, etc.), amenizando a situação de forma temporária.
A acessibilidade tem seu nascedouro em princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade, sendo elemento indissociável na responsabilidade condominial.
* Ariádine Grossi é advogada associada do Escritório Peixoto & Cintra Advogados, especialista em Direito Processual Civil – Teoria e Prática do Novo CPC, pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso (2016), pós-graduanda em Direito Condominial, pelo CEBPJUR, expert em Direito do Consumidor, do Trabalho, Cobrança Judicial e Extrajudicial, Direito Imobiliário e Condominial, Membro da comissão de Direito Imobiliário e Secretária Geral Adjunta da Comissão de Direito Condominial, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Mato Grosso, Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial da ABA-MT, consultora condominial e palestrante.